segunda-feira, 31 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto Artbychrysti)


31/03/08
Oi Amigos!
Como sempre nada de novo, só á vontade de virar um pássaro, um Ícaro, e planar sobre a vastidão, não tão alto para que o sol não queime as minhas asas, mas o suficiente para sentir a amplitude do mundo.

Ás vezes sonho com estradas floridas, caminhos tranqüilos em que só se precisa, absorver o perfume, admirar o magnífico espetáculo da natureza, e perceber a simplicidade do amor, que nos é oferecido gratuitamente.
Nunca estivemos juntos em belos lugares; sempre vivemos o dia de hoje, nunca viajamos em família, nunca fomos á praia, sempre as grades, sempre a espera, a longa e interminável espera, para que um dia possamos ser completos e então nos divertir com a beleza da vida.

Capítulo XV

Não era fácil ser sozinha sabendo que tinha casas confortáveis em duas cidades diferentes para voltar; prometi a mim mesma na primeira crise de pânico e solidão, que se eu suportasse durante seis meses viver longe da família, sem pirar eu estava pronta para fazer o que quisesse; nunca mais voltei para aquelas casas.
Chorei muito, tive medo, senti um abandono enorme, mas tudo era melhor do que o domínio; sempre fui um ser de alma livre; se aqui estou foi por escolha própria, sempre assumi a responsabilidade de viver. A família era a proteção sufocante, despersonalizadora; ela canibalizava meus sonhos. É amigos nunca estive a venda!
O Esmeraldino era uma penitenciaria difícil; muita fuga e muita porrada; era uma cadeia masculina, dura; difícil para o trabalho feminino, as visitas eram recebidas do lado de fora dos pavilhões e comiam sentadas em toalhas, uma cena triste, mas com a ida de um novo diretor, José Tortma; para a unidade e por ter sido preso político, havia um ar me mudança positiva para os preso; os guardas ficaram putos. Logo o trabalho começou a ser sabotado pelos insatisfeitos e ele teve que começar a andar com escolta; e como morava na zona sul, eu pegava carona com ele, esperava na Atlântica e depois pegávamos a Valéria na Leopoldina, ele ia com uma espingarda 12 entre as pernas, quando chegava na entrada da Av. Brasil, se espigava, pedia para ficarmos atentas e mandava o motorista que também era guarda, sentar o pau; foi um tempo emocionante; enquanto isso o sistema pegava fogo... Na Frei Caneca havia tido uma tentativa de fuga e tinha, presos isolados e machucados, mas não era nosso território; ainda.
No Galpão da Quinta, as travestis, brigavam, se cortavam; de vez em quando chegava uma na jurídica querendo morrer porque o amante a trocou por um outro preso; era hilário se não fosse trágico, os guardas não amaciavam; porrada em todos; aquilo me incomodava profundamente; era injusto! Nós enchíamos o saco do Major Barros, o diretor, sobre o comportamento desrespeitoso de alguns guardas; ele gostava da nossa cara de pau e tentava aparar as arestas com os guardas, que não morriam de amores por nós. Ali conheci, o cara mais respeitoso de todo o sistema penal, humilde, mas altivo, corajoso, tem um lugar especial no meu coração; Sargento Amiche; branco, estatura mediana, magro e com um “bigodão mexicano” que o deixava engraçado, depois foi transferido para Ilha quando eu o reencontrei depois.
Gostávamos do que fazíamos e as jurídicas em que trabalhávamos estavam sempre em dia. Logo recebemos um convite do diretor da Penitenciária Feminina Talavera Bruce em Bangu, fomos trabalhar mas não quis ficar; o Talavera era uma cadeia emocional; difícil; mulher é mais emotiva, tem TPM e exerce a agressividade como autodefesa, são mães, esposas, a maioria sem visita; os homens não costumam ser solidários e elas acabam sozinhas e só alguns familiares vão nas visitas; era uma cadeia triste, era um lugar diferente de outros, que estava habituada a trabalhar; cadeia masculina; seca, bruta, cheia de testosterona e perceber essa mesma brutalidade ali entre mulheres me fizeram ficar insegura; no primeiro dia chegou uma interna:
- E aí vadia ? Cadê a outra advogada? Vocês todas são umas putas mentirosas!
Fiquei gelada, sem saber o que dizer; apareceu uma guarda na porta e ela se acalmou, no segundo dia outra tirou a blusa na jurídica e ficou de sutiã só para chocar o bobão do estagiário; ali vi que não dava para continuar, que eu não queria prejudicá-las, mas não queria trabalhar sobre aquele tipo de pressão; demos uma força mas não ficamos. Foi quando recebemos o convite para trabalhar na Alcindo Guanabara; no anexo da Câmara dos Vereadores; um lugar de paredes forradas de madeira escura; as salas tinham móveis escuros, pesados; o chefe da jurídica era Vitagliano; gente boa, simpático, no rosto marcas de antigas espinhas, gostava de trabalhar; nos indicou para o gabinete do Dr. Avelino. Éramos poucos; eu, Valéria Negrão, Vinícius Cordeiro, que hoje está na política e mais um rapaz que não me lembro; papel, burocracia, até o dia que chegou um convite vindo da Ilha Grande; os internos da penitenciária estavam convidando todo o gabinete para o Festival de Música que aconteceria no mês seguinte.
Chegamos a Mangaratiba cedo, pegamos a Loretti e seguimos rumo ao Abraão.
A visão da ilha com a aproximação da barca era fantástica; uma das montanhas formava um bico de papagaio e toda a costa era de um verde desbundante!!
A Ilha Grande já foi entreposto para o tráfico ilegal de escravos; no século XIX, D. Pedro II a visitou ficou deslumbrado com a beleza do lugar e resolveu comprar a Fazenda do Holandês; hoje, Vila do Abraão e a de Dois Rios.
Na Fazenda do Holandês foi construído o Lazareto, que serviu de centro de triagem e quarentena para os passageiros enfermos de tuberculose e cólera que chegavam ao Brasil; funcionou durante 28 anos. No princípio de 1900, o Lazareto foi desativado e passou a funcionar como presídio político; a Colônia Correcional de Dois Rios; no Abraão; que abrigou os preso da Revolução Constitucionalista de 32 e em 1940 foi construído em Dois Rios o Instituto Penal Cândido Mendes, para presos de alta periculosidade.
A Barca ancorou no cais e fomos apresentados a um lugar bucólico, tranqüilo. Do lado direito um antigo Clube desativado, perto do posto da PM, do lado esquerdo comércio; em frente, começava a estrada de terra que cruzava a serra e acabava na Vila Dois Rios.
A viagem até lá era uma aventura; muitas flores, pássaros, uma vista linda, um ‘marzão besta’ escancarando o seu verde a cada curva que o caminhão fazia; levamos uns quarenta minutos até chegar ao topo da serra; a visão do porto do Abraão era fascinante. Continuamos a andar e encontramos alguns presos trabalhando em um local chamado “britador”; dali em diante; mais quarenta minutos de descida; e mais um show da natureza; as águas eram azuis e a areia branca, um ponto que começava a crescer e divisávamos aos poucos uma praia, mais uma curva e o colar verde em volta dela, uma outra volta e o prédio da penitenciária aparecia pequeno como uma caixa fósforo, que foi crescendo de forma lenta; com o tempo divisamos a Vila, pessoas andando, presos em cima do prédio central, guardas nas guaritas, até que chegamos à entrada do vilarejo e percebemos que aquela paisagem deslumbrante era habitada. Havia muito vai e vem, fomos levados para o portão da unidade, pois a festa estava começando.
“(Não posso mais viver assim ao teu ladinho / por isso colo o meu ouvido num radinho / de pilha / pra te sintonizar / sozinha numa ilha / Sonífera ilha descansa meus olhos / sossega minha boca / me enche de luz...)”
Dois Rios, Ilha Grande, Cândido Mendes, Cadeião do Inferno, Choque de Monstro, Chora na Cruz; lugar filha da puta; bonito e sofrido, um mar lindo que servia de muro barrando a fuga dos mais afoitos, um céu colorido que fazia sonhar, lugar de choro e gemido; uma incongruência total; me apaixonei!
A Vila parecia uma cidade do interior, ruas de terra e areia, casa baixas e de aparência confortável, que pertenciam ao Estado e eram ocupadas pelos guardas, que trabalhavam ali. Logo na chegada tinha uma pequena capela; me lembro do armazém perto da oficina, era uma rua larga que ia dar na praça da frente da penitenciária, paralela a ela era a praia, linda, perfeita do outro lado, o cinturão verde da mata; continuando seguindo pela lateral da penitenciária a rua se estreitava; as casas rareavam, e começavam a aparecer alguns barracos; era o “favelão”. Na lateral oposta um pouco afastado e mais perto do mar, havia a Companhia Independente da Polícia Militar, que era o destacamento que fazia a segurança externa da colônia penal.
O caminhão sacolejou até o portão; a primeira pessoa que vi foi o Sargento Amiche que agora era chefe de segurança; e Milton nosso ex-assistente jurídico, que tinha uma casa no Abraão; fomos bem recebidos; além de nós duas, haviam outros convidados, e todos foram encaminhados para a casa do diretor, para deixar as bagagens; íamos ficar o fim de semana; A Ilha já estava movimentada, secretário de justiça, diretores de unidade, militante, era o primeiro governo Brizola, as autoridades chegaram de helicóptero, não sacolejaram a bunda nos buracos da estrada, talvez se assim o fizesse aquela estrada seria bem melhor.
Chegamos ao presídio e a música já estava rolando; o portão abriu e apareceu um pátio, cachorros deitados e presos parados nos degraus da entrada; ao subirmos demos num hall; salas em ambos os lados, na direita um corredor comprido na esquerda uma escada; no segundo andar funcionava o gabinete do diretor, logo abaixo a sala do chefe de segurança, no lado oposto; a jurídica. Tomamos o rumo do corredor, a unidade estava cheia de familiares e convidados, muitas crianças, jovens, todos falando, rindo, se locomovendo; uma festa; a música ia aumentando e logo chegamos no auditório.
Lotado; essa era a palavra; gente entrando e saindo e um grupo se apresentado no palco, crianças passando, as autoridades, ficavam em um espécie de camarote; local estratégico para observação.


Namastê



domingo, 30 de março de 2008

FORAGIDOS

(Foto Douglas M)


















30/03/08
Bom Dia!
Muita Luz e Muito Axé!
Boa Leitura!


Enquanto tento escrever, toma-me de assalto lembranças das mais diversas, fatos há muito esquecidos; imagens, cheiros e gostos fazem parte dessas memórias...

Capítulo XVI

Minha mãe matando galinha no quintal; pagava a bichinha, dava, uns golinhos de pinga; raspava as penas do pescoço, e ‘créu’, já era a bichinha, o sangue era separado em uma tigela para fazer a molho pardo, recordo meu pai trazendo os mendigos para comer na varada, e minha mãe dando ‘pitís’homéricos: -Tá maluco, isso aqui não é a prefeitura, parece uma procissão! E ele esquentava a comida e servia em pratos que minha mãe deixava lá no quartinho dos fundos, e quando ela falava, ele dizia: - Você gostaria de comer numa lata de leite? E como vai dar a comida numa lata? Aqui todo mundo como em prato, não se incomode eu lavo depois. Era um ser humano respeitoso!
Uma vez ela que não gostava de comer em prato rachado ou lascado foi premiada no almoço, com o que ela tinha mandado jogar fora; não deu outra; tacou o prato na parede; meu pai perguntou: – Ué! é pra quebrar? E jogou o prato de bife no chão, e logo tudo estava no chão; insatisfeito Seu Oswaldo se levantou foi à cozinha pegou a lata de mantimento cheia de açúcar e emborcou na cabeça de Dona Angélica; que fazer? Todos nós ficamos duros “- ESTÁTUA”; as empregadas ficaram mudas e putas, teriam que arrumar tudo, mas mantiveram a placidez; eu dava gargalhadas insanas por dentro; “por fora uma bela viola”; fiz uma cara de chocada e caí fora em cinco segundos : - Vou almoçar na casa de Tio Adhemar!!
Me lembro da vez quando ganhei um pintinho lindo; amarelinho, que veio com um laçinho rosa no pescoço e eu o matei esmagado sem querer; dei banho no coitadinho, e coloquei em cima de uma fraldinha para ele secar, só que o bicho não ficou no lugar, e quando voltei para vê-lo, o dito estava no batente da porta; pisei no coitadinho. Fiquei chocada; os pais não deviam dar bichinhos que as crianças não tivesse condições de cuidar ou então assessorá-los nesses cuidados; não quis mais ter bichinhos!
Das corridas de urubus na maré baixa; amarrávamos uma fita no pescoço dos coitados e ficávamos correndo de cima da balaustrada e os urubus lá na areia correndo também; quem chegasse primeiro ganhava pelanca; adolescente é um bicho babaca às vezes fazem cada demência...
Fecho os olhos e posso ver minha rua, Kung-fu Fighting toca ao fundo; vejo o Largo da Ribeira, a padaria, a sorveteria, os barcos que fazia a travessia de Piripiri e Paripe; vejo a feira e sinto o cheiro do umbu, de caju, de siriguela, bacias de rala-côco, outros mariscos, das cordas de caranguejo, siris, lulas, piabinhas; do caldo de sururu e da mariscada exalando seus cheiros divinais entre as barracas; e ainda o acarajé. Ah! O acarajé! Essa é minha identidade baiana o cheiro da minha infância, o gosto que me traduz, cheiro das minhas alegrias, das brincadeiras infantis, o sabor de felicidade!
A rua principal do bairro, a Lelis Piedade, cortava minha ao meio e, na esquina encostada na loja de ferragem, estava ela; a “baiana do acarajé”; chegava cedo varria o espaço, jogava água com sabão pra espantar a urina dos bebuns da noite e começava a armar seu tabuleiro; nove e meia, dez horas da manhã ela chamava umas crianças da rua e distribuía uns mini acarajés; depois só parava as nove da noite era, abará, bolinho de estudante, cocada, acarajé; o dendê invadia meu quarto, meus pulmões; um cheiro de felicidade, alegria e respeito; todos os meus sentidos se despertam geneticamente baianos no encontro lascivo com o acarajé.
Lembro-me também do primeiro presente que comprei para um namorado; era uma “atualíssima” camisa cor de abóbora de gola cacharrel e com bolas pretas; um horror, mas em 75 era moda, mas o cara beijou uma outra garota no dia anterior; então, desfiz o embrulho vesti a camisa e quando o encontrei, terminei com ele; chorei muito, mas foi melhor do que ele ter ficado com o presente e eu com o chifre.
A minha casa ficava na ponta da península itapagipana, isto quer dizer: - Praia, veraneio, férias! Era parente o tempo todo, saia um vinha outro, minha mãe cozinhava muito bem e tratava com carinho as pessoas; tinha prazer em ter a casa cheia de súditos que a seguiam; primos, cunhados, tias, sobrinhas, irmãs. Houve uma época que minha avó, Maria, mãe de mamãe, foi passar alguns meses conosco, depois da morte do meu avô Pedro; era evangélica, vestia-se de preto, usava um cabelo preso em um coque, mas quando os soltava vinha quase no tornozelo, lia a bíblia o tempo todo, mas falava mal de todos o tempo todo. Fui premiada e ela ficou no meu quarto, e lia com ela a bíblia todas às noites; as mensagens eram lindas, e ela lia com um respeito, uma quase adoração àquelas palavras, mas se comportava de forma diferente; foi aí que comecei a aprender que nem tudo que a boca fala o coração sente.
No inverno era mais tranqüilo; aparentemente tranqüilo; tio Adhemar estava lá toda hora; Seu Souza que era amigo de meu pai e que tinha quase oitenta anos, acabara de casar com uma moça de dezenove, almoça lá todo os sábados; ia jogar gamão com o meu pai, não muito gostava do tio Adhemar; ele após comer tirava a dentadura e a limpava no guardanapo; minha mãe olhava apopléctica para meu pai e o Souza nem aí. Meu pai dizia que ele era velho, que não fazia por mal, que não se podia constranger um homem daquela idade e minha mãe dizia: - Daquela idade uma ova; a mulher dele está grávida; ele é porco; ou fala você ou falo eu!; mas ela nunca falou nem ele também.
Adorava assistir filme pela madrugada a fora, sempre escondida para minha mãe não ver; meu pai chegava de madrugada da casa do meu tio e como não tinha sono ia ver filme e lá vinha eu na ponta dos pés me juntar a ele; Combate, filmes de cawboy, Bat Masterson, A marca do Zorro... e quando ela pegava falava pelos cotovelos e o sono dele chegava rapidinho, e o filme já era. Nisso nós duas nos parecemos a nossa língua não é fácil, falo muito, até esgotar as variantes, as possibilidades, não dou trégua e acabo vencendo por total desestabilização mental do oponente.


Namastê

sábado, 29 de março de 2008

FORAGIDOS

(Foto Fabio Rex)
29/03/08

Ás vezes; penso que não vai sair nada que preste daqui!
Minhas idéias são desconexas, às vezes repetidas, sem unidade ou uma cronologia; as lembranças vão surgindo e vou capturando-as, para que não se percam de mim. Pensei que fosse fácil lembrar, mas quando se começa, percebe que existem milhares de histórias e momentos, que marcaram nossa caminhada e forjaram nossos sentimentos.
Será que alguém vai ler isso?
Não pensem que a vaidade me leva a exposição; ao contrário; a necessidade obriga a nos expor. É talvez a única forma de dizermos que estamos vivos, que somos possíveis, que nos amamos, que somos “normais”, que temos o direito de andar pelas ruas sem medo, de exercitar a gargalhada, de interagir com os amigos, fazer novos também.
O foragido pobre tem que ser discreto, falar baixo, passar entre os pingos da chuva, ser invisível; quando é rico; muda de Estado, compra uma mansão, um carro vistoso, ou sai do país, quando é pobre no máximo muda de casa e torce que ninguém que conheça more perto de onde foi morar.
Foragido não tem crédito, não tem documento e tirar documento falso seria agregar mais problemas; é crime; então tem que ver, sem ser visto, andar no “sapatinho de algodão”; delicadamente, torcendo que os céus sejam condescendente e nos ofereça a invisibilidade.
Manter a sanidade, mental, emocional, pessoal e familiar é um dos trabalhos de Hércules; todos os valores são colocados à prova, a família fica de cabeça para baixo e nessa hora só amor, esse sentimento especial nos salva da desunião, do tédio, do medo, da frustração, da incerteza, e nos oferece esperança.
E se além de pobre, o foragido aposentou-se do crime; aí a pobreza bate à porta e chega a hora da verdade; a hora da reorganização, da confiança no que sentimos, a hora da expiação das culpas, dos acertos de contas pessoais. E se após tudo isso, pernacerem juntos; esse amor vira um amálgama indestrutível.
Há dois anos que quase não saio; vejo tv, um terror; leio muito e levei muito tempo com pena de mim; de nós, de tudo; fiquei triste, ele pelo seu lado precisava de tempo para encontrar-se, para perceber-se cidadão, para se localizar no espaço novo!
E não é fácil a adaptação de quem ficou, trinta e nove anos, preso dos quais quinze nos últimos anos. Mas o amor suportou as frustrações e ainda continuamos aqui, dizendo que temos o direito à liberdade.




Capítulo XIII

Meus tios eram pessoas boas, alegres, adoravam receber, tia Nygea era uma leitora nata, devorava vários livros ao mesmo tempo; fumava e lia; lia e fumava.
Mas minha hora era aquela, já estava com vinte e três anos, queria sair da redoma, da previsibilidade, me arriscar; não digo que foi uma decisão fácil, senti medo, pensei que minha vida ficar sem rumo. Não é fácil trocar a segurança de um lar “normal” para encarar o desconhecido, mas um dia, como outro qualquer, acordei, fui ao supermercado peguei algumas caixas de papelão; enchi com minhas coisas e parti pela porta dos fundos; foi uma decepção; ligaram para minha mãe em Salvador, mas eu já era maior de idade; não teve jeito.
Desse dia em diante nunca mais coloquei os olhos sobre eles; sei que já faleceram, sinto saudade, mas a vida seguiu o seu curso natural e a partir daí comecei a fazer escolhas nas quais a antiga família não mais se encaixava; agora era hora de construir novos laços; ficar era estar em uma gaiola de ouro, sempre recebendo, nunca opinando, sempre aceitando; para mim era melhor errar tentando.
E fui, ‘sem lenço e sem documento’, nessa época eu recebia uma parte da pensão do meu pai, que tinha sido funcionário público; um Exator de Contas do Estado da Bahia. Com a pensão; que antigamente só servia para ir ao cinema, comprar, bombons, roupas da Hot Chocolate, Cantão Quatro, Dimpus..., passou a servir para viver. No princípio fui para casa de Valéria, mas depois de um tempo a mãe dela; pedagoga começou a tentar convencer-me a voltar, dar uma trégua para família, etc, eu ouvia mas ia levando, adiando qualquer decisão
Foram tempos legais; rua Lins de Vasconcelos; Grande Méier.
Saíamos de madrugada; a Penitenciária Esmeraldino Bandeira, ficava em Bangu; nos dividíamos entre o Galpão da Quinta e os plantões no Esmeraldino, os presos gostavam do nosso trabalho; éramos boas em execução penal.
Ver o sol nascer na Avenida Brasil passou a ser comum; o soldo que vinha de Salvador para minha conta, bancava as despesas com o trabalho gratuito; no meu tempo estagiário era voluntário; trabalho não remunerado.
Depois de fugir muito dos conselhos da mãe de Valéria, mudei-me; fui morar em Vila Isabel a princípio em um pensionato para moças; uma vaga na parte de baixo do beliche e uma porta de armário, com cadeado; sem cadeado era furto na certa; tinha vendedoras de lojas, cobradoras de ônibus, diaristas, babás, cabelereiras, etc; no meu quarto havia seis beliches; doze moças.
Homem era proibido, não entrava, os namorados esperavam na porta da rua. Foi a época de todos medos, do pânico, do choro, da insegurança, nunca tinha pensado o trabalho que era viver sozinha; me lembro do papel higiênico, era preciso economizar e só era comprado quando vinha à menstruação, fora isso haja jornais velhos, recolhidos, nos mais diferentes lugares. Depois me mudei para rua Araújo Leitão, foi à época da dureza braba; eu passava o dia todo fora, trabalhando e estudando; para economizar, tomava café da manhã, almoçava e jantava no presídio, com isso me tornei uma pessoa presente nas unidades que trabalhava e depois de um ano, ganhei três “Elogios” dado pelo governo do Estado, por competência e dedicação; ledo engano não era dedicação; era necessidade mesmo!
Mas com a economia que fazia podia pagar um quarto, que era melhor do que a vaga; onde rolava brigas; muita mulher junta, muita coisa espalhada; muito caô!
Lá, na Araújo Leitão morava numa casa de vila, muito bonitinha, com uma senhora sozinha que tinha um gato. Não era permitido cozinhar, receber visitas, nem ver televisão na sala e se tivesse algum aparelho elétrico tinha de ajudar na luz, que eram de no máximo 60wts, mas fora isso ela era invisível; não incomodava; ficamos até amigas e passei a fazer o mercado; do meu bolso é claro; e o jantar com ela, que era portuguesa e cozinhava muito bem; mão de vaca, era expert em fazer xepa, sempre tinha uma salada de fruta, uma banana assada. Assim era minha senhoria; deve ter morrido milionária!!
Nessa época já estava no terceiro ano de faculdade e fazia um ano que estava fora de casa, trabalhava agora no centro da cidade, na rua Alcindo Guanabara e ficou mais difícil, já não dava para tomar o café da cadeia e às vezes fazia fórum em jejum, mas sempre jantava, sempre rolava um alimento naquela sala escura do Andaraí ou então filava a bóia na casa da Valéria.
Levei um ano dando plantões semanais em Bangu e na Quinta da Boa Vista; depois começamos a atender no Sanatório Penal em Bangu; vivíamos de trabalho, respirávamos trabalho, ela fugia dela e eu fugia de mim. Nesse momento fomos convidadas para trabalhar na jurídica central; não era interessante, muito pelo contrário, era monótono; líamos e dávamos andamento nos casos que chegavam até ali através de cartas ou que eram encaminhadas pela gabinete do secretário de justiça.
Papel, papel e mais papel. Uma rotina de escritório, fichas de término de penas, prontuários, ofícios; no presídio havia o contato com o ser humano, e era possível avaliar melhor a situação, a cadeia era alegre apesar de violenta, era menos comercial que hoje, mais solidária, uma pobreza homogênea!
Cada Unidade tinha sua característica diferente; Galpão, os gays, Esmeraldino me lembrava um filme de campo de concentração; aquela poeira, um monte de homens grudados nas cercas de arames um lugar árido, unidade violenta; Frei Caneca era cultural apesar de perigosa; Água Santa era porta de entrada; os presos chegavam ao sistema penitenciário por ela de lá eram “pulverizados”; Ferreira Neto (Nierói) era cadeia mamão para filhinho de papai, otário, que se envolvia no crime, o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”; Talavera, feminina; Candido Mendes/Ilha Grande; o caldeirão; “onde filho chora e mãe não vê”; um lugar de uma beleza paradisíaca, mas predestinado ao sofrimento; já foi lazareto, presídio e penitenciária.


Namastê!

sexta-feira, 28 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto LGHPHOTO)













28/03/08
Olá Companheiros!
Estou de volta e contente por conversar com vocês. Não me arrependo da felicidade que sinto, nem de acordar todos os dias e agradecer por estar viva e por ter quem amar.
Boa Leitura!

Capítulo XII

No dvd passa Electra, só escuto; enquanto ele dorme; minha filha vê o filme. Continuo digitando pedaços de mim...
Ele é um presente de Deus, e eu percebo o amor divino, através do sentimento incondicional que ele me oferece, na tolerância com o minhas falhas, com a alegria infantil na convivência, na grandeza da mudança interior que se proporcionou ao encarar nas novas escolhas com coragem; um ser sem medo de amar!

Meu pai morreu de câncer, quando eu tinha dezoito anos. Foi uma morte lenta e doída; com metástase nos ossos. Era um sentimento de impotência de inutilidade que acordava comigo toda manhã, nada eu podia fazer, só orar e torcer para que ele sentisse menos dor. Meus primos; filhos de tia Alaíde, sua irmã; eram médicos; ele teve um acompanhamento competente, meu primo Décio, que também era meu padrinho; possuía uma clínica e no princípio ele ficou lá, depois de algum tempo foi para casa com toda aquela parafernália médica; cama de hospital, oxigênio, aparelho de pressão, enfim tudo que era necessário. Nessa época ele começou a tomar morfina por causa da dor nos ossos e que era enviada pelo tio Evandro e avião do Rio para Salvador; comecei a perceber a fragilidade da vida e a me dar conta que poderia ficar órfã de pai.
Minha mãe com quem até aquele momento era difícil de interagir, também caiu doente; teve um enfarto no quarto ao lado; recebi a notícia quando voltei do colégio: - Sua mãe enfartou, mas já foi medicada, está na tia Ana e precisa descansar!
Fiquei congelada!! A perspectiva da perda dos dois me paralisou. Minha mãe passou quinze dias fora, enquanto eu revezava com a enfermeira; aprendi a dar injeção, a dar banho, a cuidar dele; coisas que minha mãe fazia. Eu ficava com ele durante à tarde, mas agora tinha que ser de noite também; tinha dias que não tinha enfermeira para pernoitar.
Com a volta de minha mãe, passei a ajudá-la a cuidar dele, comecei a desenvolver por ela um carinho que antes não sentia. Ao vê-la com 1:57 de altura, carregar e dar banho em um homem de quase dois metros me fez começar a amá-la; foi digna, forte; incansável até o fim.
Mulher Porreta!!
Mas mesmo assim não conseguimos criar um canal de comunicação que nos permitissem viver juntas; ela tinha ciúme do amor do meu pai; achava que eu competia com ela. As más línguas diziam que eu era filha de meu pai com uma amante e por isso, me engolir era algo difícil. Essa história nunca conseguir saber direito e agora já não tem mais importância; sei quem eu sou e isso me basta! Não que ela não tenha tentado me amar, mas não havia sintonia, não conseguíamos nos aproximar.
Quando começamos a mexer no baú da nossa história percebemos lembranças há muito esquecidas...
Sempre houve controle lá em casa; ‘mamy’ nunca deixou as coisas serem fáceis; tivemos incontáveis atritos dos quais meu pai era o mediador; nunca foi por estudo; sempre por rua ou namoro:
- Você é a pessoa mais “rueira” do mundo!!
- Simone? Morreu, o enterro sai amanhã! Berrava ela do corredor para o portão onde; minhas amigas com o maior “cagáço”; iam me chamar.
Me lembro de Isis, Olga, Olgaíde; eram meninas legais; acho que todas casaram. Aprendemos a fumar juntas; eu pegava escondido uns hollywoods do meu pai, e fumávamos escondidas na varanda da casa das meninas; enquanto fumávamos uma sempre ficava vigiando.
Olga e Olgaíde eram irmães, moravam na minha rua, mais pro final, no passeio oposto; era uma família grande, elas eram órfãs e moravam com os tios e primos; o mais velho cantava em um conjunto e ensaiavam na sala da frente que tinham dois janelões voltados para rua e que dava para uma varanda de muro baixo. Ali era a nossa arquibancada. Eram mais velhos; alguns bonitos, mas que não nos davam a menor bola; já eram profissionais e tocavam na noite; foram tempos muito legais... Olga era loura, magrinha, tímida meio sem graça, Olgaíde tinha os cabelos castanhos era mais morena e mais atrevida; as duas se toleravam, mas eram; adolescente; conviviam e acabavam se protegendo, eram caseiras e ajudavam em casa.
Lembro-me do “Clube Itapagipe”, há alguns metros do colégio; na praia de bogari; éramos sócios; banho de piscina, baile de carnaval, matinê na boate do clube; as meninas não eram sócias; só a Gracinha; que apesar de ser chata, era divertida, meio sem noção; não namorava negro; pobre então nem em sonhos... E os pais adotivos eram tão bons...
Sabiam que eu não morria de amores por ela, mas fingia não perceber; às vezes sentia pena, mas acho que no fundo gostava dela, não é a toa que convivemos toda adolescência. Também tinha os clubes de regatas; as provas de remo que eram feitas no outro lado da península; perto da casa do tio Adhemar, a raia era em frente e balaustrada ficava lotada; gente de toda cidade, muitos carros, imprensa, etc...
Havia o Clube de Regatas Santa Cruz, que tinha a sede próxima à casa da Gracinha que como tio Adhemar, morava na Av. Mém de Sá; lá rolava festas à noite e foi onde tive o meu primeiro contato com o álcool; nas caixas de som Hawai 50, Jakson’s Five, Secos e Molhados. Uma vez apostaram quem viraria uma garrafa de cachaça em um só gole; prêmio; um beijo do Iran, um carinha louro, com o cabelo cortado como o He-man e com muitas espinhas; hoje ridículo, ontem lindo!
Bebi tudo, não consegui levantar da cadeira, passei muito mal e só pude ganhar o beijo no dia seguinte; sóbria e muito sem graça ao som de - Beija, beija, beija!
Ele foi minha primeira paixão; dramática, sofrida; bem ‘EMO’. Terminávamos e voltávamos sempre; e era um chororô danado; não sei como pude agüentar-me durante esse período, eram juras de amor e brigas; no final quando ele começou a ficar mais bonitinho, com menos espinhas; descurti! Adolescente é foda!!
Agora percebo o quanto tenho sido feliz e quanto tenho sido abençoada por ter lembranças alegres para compartilhar!
Como das nossas vizinhas do lado direito; a da esquerda era a Escola 2 de Julho, a casa da Professora Yêda; mas do outro morava três mulheres de gerações diferentes; uma idosa forte, muito branca e rosada ao mesmo tempo e sua filha, quarentona, alta, muito morena de praia, tinha cabelos compridos cortados a lá Rita Hayworth, era funcionária pública; descendentes de espanhóis; com elas, morava uma moça de uns vinte e poucos anos, negra, muito bonita, doce e meiga, fazia faculdade; era minha professora de reforço escolar e dava aula particular para outros alunos, uma família alegre que se davam bem.
Lembro-me, uma vez durante uma aula sobre combustão, ela pegou um pequeno frasco, colocou álcool e riscou o fósforo o fogo acendeu e a chama começou a bailar colorida linda, na altura do campeonato já não estava ouvindo nada, só ficava vendo o dançar da chama; quando ela foi ficando invisível resolvi avivá-la; peguei a garrafa e fui pôr mais álcool; qual não foi minha surpresa; a garrafa plástica pegou fogo em minha mão; estudávamos no quarto de minha mãe, era tranqüilo espaçoso; varei a garrafa longe; ela bateu na cama e encheu a colcha de fogo e o resto e esparramou pelo chão chegando até a cortina do quanto; foi uma louca em fração de minutos: – Fogo! Fogo!! - Água! Tragam água!! Gritava Célia! Eu só pensava: - Minha mãe vai me matar!!
A casa era térrea, possuía uma varanda antes da porta da rua, depois um corredor cumprido onde tinham dois quartos, o primeiro, o da minha mãe; lindo bem cuidado, com uma penteadeira cheia de perfumes, possuía móveis modernos e claros, e tinha duas janelas que dava para rua, depois vinha o do meu pai que era interligado com o dela, possuía móveis mais antigos e escuros, de madeira trabalhada e o meu dava para sala que possuía sofás, poltronas, uma ‘cadeira do papai’ e uma cadeira de balanço. Meu quarto era normal, duas camas; sempre havia uma prima por lá; um guarda roupa, som, muitos desenhos pela parede, e livros, depois a sala de jantar com mesa grande, cadeiras, cômoda, cristaleira todos de madeira trabalhada, depois vinha à copa a cozinha e um quintal com mais dois quartos no fundo e dois banheiros.
Minha mãe gostava muito da Célia e acabou não brigando muito comigo, o fogo chamuscou a cortina e lambeu um pouco as franjas da colcha, no mais tudo igual. Naquela época comecei a ouvir uma história sobre elas, contada aos cochichos, que eram lésbicas, fiquei sem entender, eram amigas natural que morassem juntas, com o tempo isso virou meio lenda urbana, uns sabiam, outros tinham certeza, outros duvidavam, mas tudo discretamente, a vizinhança malhava a vida alheia com classe.
E a vida seguiu na duvidosa certeza quanto à sexualidade das nossas vizinhas, mas o que se sabe realmente é que eram muito queridas e, com o tempo; “tanto faz como tanto fez”, passou a ser normal. E das cadeiras de lona colorida, colocadas nas portas das casas no final do dia, esperando o sol se pôr; a fofoca da vizinhança rolava solta, atualizando as mazelas e as benesses do dia.


Namastê!

FORAGIDOS

(Foto Marquee Moon)

Que as flores encham de cor o seu dia!




27/03/08
Hoje nada postei, defeito financeiro; ficamos sem luz, nem todos os foragidos passeiam por Mônaco, bordejam pela Europa ou desfrutam a vida nos mares do sul, ou nas mansões pelo Brasil; nós fazemos parte dos ‘duros’, aqueles que vão levando a vida com simplicidade, como todo brasileiro, esperando com fé a hora da liberdade.


Capítulo XI

Tento me concentrar, o tempo mudou, e o calor me tira a atenção, estou na menopausa, e às vezes sobe um calor intenso como um raio que percorre todo o corpo deixando-o em brasa, mas da mesma maneira que vem, vai, rápido!
Estamos num momento de decisão, um momento de avaliação de caminhos, estamos no fim da nossa catarse!!
Tenho aprendido nesses anos lições preciosas; paciência, tolerância, respeito, confiança, perdão, não tem sido uma tarefa simples, para alguém mimada e geniosa, mas vou sair dessa história melhor, um ser humano; mais completo, e poderei envelhecer com dignidade ao lado dos que amo.
ELE é minha salvação; através dele pude viver uma vida diferente; mais simples, mais real, mais humana; não lhe digo que a pobreza é legal; sou justa, não burra; mas existem trocas que aparentemente são irracionais, mas que nos salvam de nós mesmos, do nosso inferno interior, da infelicidade. Ele me faz feliz!

Comecei a estudar na UFRJ; o Professor César Papaleo era o diretor, além de professor de medicina legal, o prédio rosa da Moncorvo virou a extensão da minha casa; fiz novos amigos, mas ainda me sentia sem rumo.
Era um prédio antigo, na entrada uma escadaria de mármore levava ao segundo andar, do lado direito, xerox, secretaria, mais a frente a sala do Caco (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), do lado esquerdo a cantina, no andar de cima o salão nobre, e salas, no terceiro andar mais salas. O elevador era uma diversão aparte, antigo de porta pantográfica e era sempre uma roleta russa para saber quem ia ficar preso; estava sempre sendo consertado.
Em casa tudo andava igual; Sergio dando trabalho, minha tia tentando dominá-lo e meu tio aéreo nas matinês do Rian.
Tudo ai bem até que recebi um convite para fazer um estágio no sistema penitenciário, era um advogado do DESIPE – Departamento do Sistema Penitenciário; Milton, ex-aluno da UFRJ, que ‘garimpava’ estagiários.
A notícia foi recebida com estranheza e temor, pelos meus tios: - “Preso, prisão, escória, gentalha,” e por aí foi... “-Seremos mortos, assaltados, latrocinados” e mais uma série de pérolas; não adiantou; resolvi fazer o estágio; não porque adorava direito penal, mas acho que foi só para contrariar; foi só pela forma que as críticas foram colocadas.
Assim fui trabalhar no Presídio Evaristo de Morais com o Milton, um cara engraçado que morava no Leme era chamado, de “Mário Fofoca”, um personagem “meio confuso” de uma novela de TV; uma mistura de mister Bean com Hommer Simpson. Um cara puro, de bom coração; ingênuo, metido a experto, mas bobo, vivia se enrrascando.
Milton não fazia parte do rol dos corruptos, foi guarda penitenciário, mas se formou e virou assistente jurídico; era viúvo, tinha um filho e vivia correndo atrás. de mulher.
A prisão me trouxe um outro olhar sobre a vida, que até então não tinha; o meu mundo, certinho, monótono, previsível, chato; às vezes inumano; chocou-se , com a aspereza da prisão; era a vida pulando em minha frente com toda sua imperfeição dizendo - Vem; me experimenta!!
E fui; trabalhei primeiro no Evaristo, conhecido como Galpão da Quinta; um presídio adaptado de um antigo galpão de veículos; era uma unidade que tinha como característica agregar presos homosexuais, o sistema de tranca não permitia a circulação de presos e eles se locomoviam entre as celas no “pulo”; como á divisão das paredes não iam até o teto eles pulavam de parede a parede até a cela desejada; lá funcionava uma oficina onde alguns presos trabalhavam; o presídio não era grande, mas populoso.
Em casa as coisas estavam cada dia pior; meu primo estava dando mais trabalho que de costume; minha tia andava azeda, meu tio oprimido, e eu passava, a maior parte do tempo fora de casa. Estava cansada do preço que pagava por uma vida de anúncio de margarina; ‘fake’, onde mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo.
Eles não eram meus pais; ficava mais fácil, e com tanto casamento entre contra-parentes todos eram meio ‘punk’; resolvi que era hora de morar sozinha! Mas não de imediato, a idéia precisava ser maturada; eu não era Sergio, não podia ser “deserdada”; meu pai estava morto e minha mãe morava em outro Estado; era hora de começar realmente a viver, conhecer o mundo, dar a cara à tapa, aprender a errar, a não ter medo de prosseguir!!
O dinheiro não era importante naquela época; tinha vinte e poucos anos, muito hormônio, um espírito timidamente inconformado e uma certeza de que, o preço em ficar era maior do que o de partir!
O trabalho não era estafante; estudava de manhã e a tarde estava no estágio; lá havia uma outra garota que o Milton trouxe da Cândido Mendes; Valéria; era loura, de cabelos cumpridos, um olhar triste, magra e gostava de trabalhar; nos tornamos amigas!
Morava no Lins, o pai era dentista, a mãe professora, tinha um irmão mais novo, que era o xodó da mãe, o que causava muitos atritos; ciúme; ela era mais ligada ao pai e tinha uma filha pequena do casamento com um vizinho, mas estava separada e voltou a morar com os pais e eles assumiram a educação da filha; o que causava ainda mais atrito.
Meus tios não gostaram da Valéria e não me perguntem porque; eles a acharam ‘esquisita’ e me proibiram de andar com ela; quando ela ligava o recado não era dado ou ficavam na extensão; a situação de cerceamento ficava cada vez pior e eu não sabia reagir com indiferença para poder herdar benesses depois. Levo sempre muito tempo para decidir, mas quando decido não tem volta; é irrecorrível!


Namastê

quarta-feira, 26 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto La tartine Gourmande)
26/03/08
Olá! Espero que nesta manhã exalem das flores, fragrâncias que tornem esse dia, absolutamente harmônico!Enquanto aqui, continuo tentando dizer o que vai num coração confuso, mas amoroso, em uma cabeça acelerada, em um corpo atado.Continuo acreditando que o amor que sentimos tem justificado toda a nossa caminhada, e é esse carinho, respeito, e união que deixaremos como herança para nossos filhos.
Boa Leitura!
Fiz sopa, é saudável e todos gostam, é interessante como demonstramos amor em pequenos gestos, como o carinho oferecido é importante para a formação da teia familiar. Como é bom compartilhar afeto através de um olhar terno, de um abraço sem motivo aparente, de um beijo surpresa, como é confortador a sensação de que somos amados e que esse sentimento tem o poder de aplainar todas as diferenças.
Capítulo XIX
Saí do primário e fui estudar no Colégio Nossa Senhora da Auxiliadora; de freiras, rígido, só moças; havia missa todos os dias, confissão toda manhã: – Confissão os “cambaus”! Nunca me senti a vontade falando com alguém que não conhecia, não era uma escolha, um porto de aconselhamento, parecia mais uma obrigação ritualística, nem sei se o padre realmente ouvia aquela montoeira de mentiras que as meninas contavam; claro que não eram todas; sempre havia as carolas, loucas para serem absolvidas, às vezes pelo pecado mortal de dizer: -Merda.Nunca me adaptei; nesse ano fiz amizade com Gracinha; Maria das Graças; ela era filha adotiva de um casal espanhol; farmacêuticos eram donos de farmácias no bairro, tinham posses; ela era negra e odiava ser negra; os pais naturais trabalhavam na feira e ela tinha mais cinco irmãos e isso a deixava muito incomodada; os pais adotivos sempre fizeram questão da aproximação dela com os parentes, mas aquela “benção” nunca quis. Os tratava com desprezos por serem pobres e negros; quando iam, a casa dela, se escondia no quarto de princesa e de lá não saía, chorando a cântaros a tragédia de ter nascido negra e ter pais tão ignorantes. Era uma moça sem amigos, fútil, mas inteligente.
Nossos pais eram amigos e por isso tinha que aturá-la; diziam que era solitária; nervosa, frágil: - Simone; Gracinha é sozinha, tem dificuldades, seja tolerante!Dificuldades que nada; ela foi o meu primeiro contato com o racismo e o preconceito, convivemos até eu vir para o Rio, sempre chata e se fingindo de frágil; uma vez fiz o cabelo dela cair todinho; era vaidosa e adorava alisar os cabelos e podia ter os produtos que quisesse, era só acionar o entregador, “as farmácias eram do papai”; assim um dia; depois de mais uma visita constrangedora do pai natural, falei: - Gracinha, não fique triste; vamos fazer alguma coisa, mudar o ânimo; Ela: - Vou alisar o cabelo, deixar ele sedoso, odeio esse cabelo duro.- É quem sabe você não se distrai? Disse eu; Então ela pulou rapidinho da cama de “barbie”; o quarto dela era lindo, de revista; passou a mão no telefone: - Pai! Manda o boy trazer...“Não” li a fórmula do produto com a atenção devida, uma pena, e o cabelo dela caiu! Que chato, né! Não todo, mas deixou crateras quase lunares!Fiquei preocupada, mas no fundo ela merecia uma lição; para todo o caso: – Desculpe querida! Que loucura! Esse produto é um lixo!Fiz o meu primeiro ato ruim; intencional; deixei a mona pelada! Ela era o ‘ó’!- Simone, você tem alguma coisa com isso?- Mas claro que não, foi um acidente mãe!E ela levou “meeeses” usando lenço.No colégio de freira a adaptação foi complicada, saia abaixo do joelho, que num passe de mágica ficava no meio da coxa, batom, não podia, rir, não podia, correr não podia; meninos? Ui, nem pensar! De forma que no ano seguinte minha mãe pelo meu não sacrifício em aturar aquele sistema, matriculou-me no Ginásio Municipal Paulo Américo de Oliveira: - Vai estudar numa escola pública pra ver como é bom!Foi uma festa; podia tudo!
No princípio Adelita me levava; tive babá até os onze anos, ela era uma mãe para mim, tínhamos uma casa grande e que precisava de gente para dar conta; lá moravam, a cozinheira, a arrumadeira e Adelita, que veio ser minha babá quando eu ainda tinha uns dois anos; sempre tínhamos três funcionárias e durante o verão, quando a casa enchia de parentes, às vezes vinha uma moça que morava lá na rua dar uma mãozinha.Cresci com ela nos meus calcanhares; ela me vigiava e minha mãe enchia o saco dela: – Vamos fale, o que ela faz na rua? Coitada tinha que fazer relatório, mas ela era maravilhosa e me livrou de muitas enrrascadas; eu estava crescendo e pedi ao meu pai para ir ao colégio como todo mundo; aos doze pude sair sozinha sem babá, mas tenho certeza que de longe me vigiava.Ela cuidou de mim desde criança, até os quinze anos quando se casou com um pescador de Saubára; cidade litorânea. Minha mãe ajudou no casamento e a festa foi lá em casa! Senti muito, era quem realmente cuidava de mim, Mãe Dé, mas ela estava feliz e de três em três meses eles chegavam lá em casa com sacolas de palha, cheia de camarão e peixe seco; ela é uma figura presente nos meus sentimentos mais sinceros e o amor daquela mulher ajudou a forjar em mim uma coragem silenciosa.
No Paulo Américo era um novo mundo; colégio misto, muita alegria, lá quebrei o braço pela terceira vez. Depois que passei para o colegial, fui estudar no Colégio Estadual João Florêncio Gomes; ficava no início da minha rua de frente para praia, na avenida Beira Mar, era um privilégio estudar vendo o oceano; lá fiz Patologia Clínica e tocava na banda do Colégio; comecei com a caixa e depois fui para o tarol; que fazia o repique; as vaquetas me deixavam com os dedos detonados e haja esparadrapo!lá íamos nós subindo e descendo ladeira de bairros vizinhos; saia azul plissada, camisas abotoadas na frente impecavelmente branca, com o escudo do colégio pregado no bolso, sapato de amarrar engraxado, e meiões brancos até o joelho, luvas imaculadamente brancas e boina vinho; num calor filho da puta de Salvador, mas não é que a gente adorava!!!!
Foi uma adolescência divertida; alegre, saudável, foram anos de muita praia, amigas, música, e muito estudo, foram tempos de felicidade aditivada.
Namastê!

terça-feira, 25 de março de 2008

FORAGIDOS

(Foto Eggz)

25/03/08
Olá, mais um dia, e paira sobre nós o céu que nos escuta.
Amigos, as nossas verdades não são imunes de pecados ou situações esdrúxulas, os contos fantásticos ficaram nas páginas dos livros de Monteiro Lobato, a vida; essa que nós vivemos; é a peleja contra aqueles que querem que nos envergonhemos de conjugar o verbo amar.
Boa Leitura!



Capítulo X

Nesse momento, enquanto escrevo posso sentir o cheiro de maresia, de salitre; impressionante a máquina que somos, e como podemos através de pequenas lembranças, ativar mecanismos que nos remetem a gostos cheiros, sons, imagens...
Posso ouvir o barulho do motor de polimento, vejo a prensa, os moldes, os baldes de cozimento, as caixas de broca de vários tamanhos; minha mãe com máscara no rosto curvada sobre o motor, dando brilho a uma dentadura. Ela era uma protética de mão cheia! Nestas lembranças percebo o quanto eu a am0.
Sinto em meu peito emoções duais, quando relembro e percebo que somos de tudo um pouco; frágeis, fortes, loucos, sãos, triste, alegre, falsos, verdadeiros; somos um caleidoscópio, sempre multifacetado, sempre se reinventado em cores e formas diferentes. Uma sincronia perfeita num invólucro tão frágil!

Minha primeira aventura literária aos doze anos, foi interessante, eu gostava de fazer poesias e o meu tio as colocava no jornal ‘A Tarde’, em Salvador, me lembro do nome de uma, ‘A Noite’, eram poesias bobas, mas era legal ver o incentivo dele ao meu trabalho, ele já chegava do Rio de Janeiro, de férias, querendo saber se eu continuava escrevendo, era bom se sentir admirada, com aquela idade me sentia importante; quem sabe um dia ainda vou relê-las; todo jornal tem arquivo, né?
Calçada, Bom Fim, Monte Serrat, Boa Viagem, Largos do Papagaio, da Madragoa, Porto dos Tainheiros, Ribeira, Rua do Fogo; eu vivia no mar, praia de Bogari; nós morávamos na transversal da Avenida Beira Mar, rua da praia, e da minha porta via o ‘marzão’ e o horizonte!
Cheiro de salitre, maresia; cheiros, que nunca saíram de mim.
Primário na Escola Dois de Julho; professora Yêda, minha primeira professora e dona do colégio; além de vizinha. Era parede e meia com a minha casa; época de leitura, ditado, tabuada, redação e conjugação verbal; era obrigatório; chegávamos, cantávamos o hino nacional e íamos para sala; primeiro, leitura, depois redação e ditado; recreio; recomeçávamos por outra matéria; ciências, geografia...; e no final a pérola; conjugação verbal. O dia seguinte começava com tabuada e ia a manhã toda; números, números, números. Sempre era assim, um dia começava com português, outro com matemática, conjugação verbal, sempre, além de sabatinas semanais.
Passei no exame de admissão com facilidade, apesar de estar com o braço quebrado e ter que fazer prova oral. Era a segunda vez que quebrava o braço, a primeira foi com uns sete anos; no aniversario da Suzana, filha de minha prima. Logo que cheguei na festa não passou dez minutos e me chamaram para brincar no playground, mais quinze minutos depois, uma outra prima pequena , mas gorda , sentou no meu braço; foi “crác”, na hora! Fiquei em pânico, não tinha nem meia hora e eu já estava de braço quebrado, minha mãe ia falar muuuito!! Por isso, passei a festa toda fugindo dela, pelos cantos até a hora dos parabéns, quando ela finalmente me achou e me puxou em direção à mesa; quase desmaiei de dor. A festa já era, fui para o pronto socorro em baixo de “exporro” por todo o trajeto, por ter ficado sem avisar, deixando o braço com um roxo azulado.
A segunda com uns dez anos; dias antes do exame de admissão para o ginásio; um “vestibularzinho” que os alunos do primário faziam para ingressarem no ginásio; fui passar um final de semana na casa de tia Ana, uma prima que minha mãe considerava tia. Ela morava na Liberdade, a casa ficava no topo de uma ladeira; logo que cheguei uma das netas dela me chamou para ir à casa de um tio que morava na parte de baixo; e lá fui eu pulando e chutando lata, quando tropecei numa pedra e desci rolando ladeira abaixo, só parando no lado de uma caçamba de lixo; quando levantei toda suja, tinha um fundo de garrafa de cerveja presa no braço; resultado quinze pontos e um braço no gesso por trinta dias; fui para prova oral!

Namastê!

segunda-feira, 24 de março de 2008

FORAGIDOS

(Praia do Bogari- Salvador/BA)


24/03/08
Dia de sol! Desejo que seus raios os cubram de energia positiva e que sinalizem um dia alegre e produtivo.

Amigos, os capítulos servem como marcadores, controles para que não me perca em divagações repetidas. Não tenho compromisso com épocas, quero navegar nas minhas lembranças. A minha mente vai e volta de lugares e momentos diversos.


Capítulo IX

- Morgado? O que é Morgado? O homem da tv perguntava.
- É um homem todo cagado!! Eu respondia.
E lembro do meu pai com paciência explicando que era o tal de morgado. Interessante como lembramos de coisas que não fazem o menor sentido quando pronunciada, quarenta anos depois; lembro-me de outra coisa:
- Ê curau e milho! Ê cuscuz!! Passava cantando o moço do curau!!; era alegre, lembrava cidade de interior. Lembro também do apito do guarda noturno que passava de madrugada avisando ao seu modo que tudo estava bem.
Desde pequena era assídua freqüentadora da Sorveteria da Ribeira, achava o melhor sorvete do mundo; minha mãe conspirava: - Vai dar espinha! - Vai ficar com cárie! – Sorvete engorda!, mas meu pai fazia ouvidos moucos e eu sempre me dava bem no sorvete; cheguei a ter até conta, mas a coisa desandou por alto consumo e meu pai cortou a regalia.
Nessa época devia ter uns oito anos, era muito magra, como uma garça anorexa, adorava tomar sorvete, no mínimo um por dia; não “engorda de ruim” dizia minha mãe.
Gostava de ver meu pai pescar, ele era um cara calmo, com um sorriso lindo e de uma gentileza natural, tinha inúmeros amigos, tantos, que muitos, só conhecia por apelido, outros, sequer lembrava o nome, mas abria um sorrisão e dizia - Meu amigo! Para cada um que se aproximasse. Seu Oswaldo, meu amor!
Minha mãe odiava o hobbe dele; a pescaria. Ele tinha a mania de encher o congelador de baratas do mar, que serviam de isca; pescava sentado de terno branco, sapatos Vulcabrás, cigarro na boca, óculos no rosto; se não estivesse na balaustrada, estava na casa do meu tio, ou parado conversando com alguém.
Ela falava que não estava certo, que era nojento, dizia que geladeira não era feita para guardar barata, que ia jogar tudo fora; ele se fingia de morto, deixava ela falar, a olhava com um olhar blasé e ai vê tv, mas continuou guardando as baratas no congelador.
Às vezes ela o tratava como criança, dizia que ele ia acabar sendo preso por dar cigarros aos “maconheiros” que ficam perto dele na balaustrada; ele nem tava aí; conhecia todos desde pequenos, não se ligava no que eles estavam fazendo e se lhe pedissem um Continental ou um Hollywood, ele não negava; os garotos o adoravam.
Essa lenga, lenga foi a minha adolescência toda, ela falava e ele fingia que escutava, a verdade é que ele a amava, e ela se habituou a encher o saco dele, ele era aposentado, tinha sido ‘exator da Secretaria de Fazenda’, ficava mais tempo passeando do que em casa, então ela pegava no pé, mas se gostavam.
Casaram-se quando ela era secretária do tio dele que era dentista; papai, um boêmio, jogador, solteiro convicto aos cinqüenta e tal, e ela uma moça bonita pequena, de vinte e poucos, viúva, sem filhos; e assim acabou a solterisse do Seu Oswaldo, o boêmio inveterado dos bordéis e sinucas da Praça Castro Alves.
Depois de casada, dona Angélica, minha mãe, especialista em prótese dentária, passou a receber clientes encaminhados por dentistas amigos; trabalhou durante muitos anos e quem passasse lá por casa sem dente acabava ganhando uma dentadura.

Namastê!

domingo, 23 de março de 2008

FORAGIDOS

(Largo da Ribeira - Ribeira - Salvador/BA)

23/03/08
Olá companheiros!
Domingo de Páscoa, que os poderes cósmicos transbordem de bondade e lhes conçeda um ano próspero e cheio de PAZ!
FELIZ PÁSCOA a todos!
Boa Leitura!





Capítulo VIII

Era tranqüila a vida com os meus tios, morávamos em um apartamento grande, um por andar, confortável, quatro quartos, dois belos salões, da janela das salas víamos o mar; tapetes felpudos no chão; uma praga para a minha renite alérgica, uma alegria constante para os ácaros, mas minha tia gostava de andar descalça e pisar em tapetes fofos.
E viva a proliferação silenciosa dos invisíveis bichinhos!
Fui saindo aos poucos da depressão, passei a caminhar no calçadão e ficar visivelmente mais magra e mais alegre, começando a ter vontade realmente de conhecer aquele mundo novo.
O tempo me fez perceber as coisas em minha volta, e a partir daí a brincadeira de casar com o meu primo passou a ser uma possibilidade concreta, as coisas começaram a ficar, complicadas, eu não queria casar, nem com ele, nem com ninguém, tinha acabado de chegar em uma nova cidade, tinha só dezenove anos; que casar que nada, logo agora que estava saindo do buraco, nada disso, eu queria beijar na boca; não casar com um primo!!!
Queria viver, respirar, mas meus tios se sentiam responsáveis pelo meu futuro e queriam me ver casada com o filho deles; o casamento era sinônimo de tradição, segurança, tranqüilidade; acolhimento familiar!
Caguei!! Nós não tínhamos nada em comum mesmo; ele era 18 anos, mais velho do que eu, mimado e genioso, era aposentado por problemas de saúde pela Caixa Econômica Federal, era meio “punk” das idéias; como advogado, ganhava bem e morava com os pais, tinha tudo que queria ou desejava; meu tio foi presidente da Caixa Econômica no Paraná; filho de Juiz; meu avô Manoel; que também foi Secretário de Estado na Bahia, minha família é uma mistura de primos e primas sem fim; nem tanto pela tradição mas para garantir que a herança portuguesa não saísse de mãos conhecidas.
Meu tio estava aposentado, tinha posses; minha tia, muitas jóias.
Partidão! Mas tanto ele, quanto eu; não estávamos interessados nesse tipo de arranjo, nos gostávamos como irmãos, não tinha química, não rolava; no princípio até que ele se engraçou com a idéia de “papar” carne nova, tive que dar uns perdidos nele durante a madrugada mas; como apesar de tímida sou geniosa; o bicho “peidou”, deu pra tras; ficou com medo do escândalo!!
Eles ficaram decepcionados quando perceberam que não pensávamos nessa possibilidade, apesar do meu primo em algum momento ter proposto um casamento de fachada em nome da
liberdade de nós dois, não topei, eu estava disposta a buscar independência mas não daquela forma; casando com quem não queria.
Ficaram tristes, adoravam meu pai; eram em cinco irmãos; Oswaldo, meu pai, tio Adhemar, tia Alaíde, tia Olga e tio Evandro, o caçula; todos primo-irmão de tia Nígea, que tinha duas irmãs; Ophelia, casada com tio Edmundo (primo-irmão) e Nyomar, que foi casada com tio Hélio (primo irmão); tio Adhemar foi casado com tia Aldina, mas não eram primos; tia Alaíde era casada com tio Arnaldo que era médico e tinham cinco filhos; tia Olga era solteira, sem filhos, meio doidinha, vivia em um mundo próprio; meu pai a adorava, era sua irmãzinha querida, quando a via falava; - Olga Rainha do Volga, Princesa dos Urais; ela adorava.
Depois de algumas tentativas de convencimento, o bom senso prevaleceu, e perceberam, mesmo a contragosto que não dava para obrigar duas pessoas que não se gostavam, casarem, então eu e o Sérgio fomos finalmente deixados de lado. Mas mesmo assim, eles continuaram se empenhando, em encontrar um bom partido para uma sobrinha prendada.
Minha tia era uma mulher impressionante; inteligentíssima, com uma personalidade gigante; apesar de ter o físico de uma adolescente; era pequena, minghon; com a pele muito clara, pontilhada de sardas; tinha uma voz peculiar meio sibilante e sua vontade, podia mover o mundo; se lá em Salvador já era um matriarcado de respeito; ali ele era exercido na sua plenitude.
Ela imperava; com sua sagacidade, com sua inteligência aguçada, com sua vontade férrea. Tenho saudade dela, gostaria de ter convivido mais com aquela mulher incrível. As pessoas a admiravam e a temiam!! Lia muito adorava, ficar recostada; era uma diva; tinha um olhar que lhe lia em um segundo, se fazia de frágil quando o ataque voraz não dava resultado; comumente com o filho, o marido fazia suas vontades sem reclamar; meu tio era um doce; educado, gentil e sempre pronto a servi-la; enquanto; ela imperava prazerosamente sobre o seu mais fiel súdito; ele.
O poder do matriarcado era um velho conhecido; minha mãe o exercia muito bem; ali diferente era; as reações dos respectivos súditos; meu pai, indiferente; deixava; mamãe deitar e rolar, mas tinha uma hora que ele dizia; parou; e ela parava. Ali o negócio fervia; ela mandava sempre; e nele; pois ou outros em volta fingiam que obedeciam. Mas acho que no fundo; mais do que gostar de se comportar assim; ele se habituou a ser tratado daquela forma e não se importava mais, talvez essa era a forma dele amá-la.
Cursei um ano de Direito no Bennett, e consegui; através do meu tio uma vaga na Faculdade de Direito da UFRJ. Não me sentia bem em saber que fui transferida para uma faculdade pública, tirando uma vaga de quem ia fazer vestibular, mas “quem tem padrinho não morre pagão”, diziam; não adiantava chiar, assim eram as coisas; quem pagava as contas é quem mandava!!
Até então o Rio se resumia em alguns bairros da zona sul; Copacabana, Ipanema, Leblon, Jardim Botânico, Flamengo; lugares onde moravam ou parentes ou amigos dos meus tios; a Faculdade Nacional de Direito ficava na Rua Moncorvo Filho; onde se encontra até hoje; perto da Central do Brasil; um Rio diferente, mais parecido com alguns lugares de Salvador; com menos glamour e mais vida real, um trânsito intenso, muita gente...
Gente! Isso é o que mudou, comecei a conhecer gente; jovens como eu, mas diferentes; não que no Bennett só houvesse filhinhos de papai, mas era uma faculdade particular e mesmo as pessoas que não tinham muitas posses e trabalhavam para pagar seus estudos a noite, eram mais contidas. A Nacional era diferente; mais parecida comigo; tinha filhinho de papai, mas também os que trabalhavam e melhor; tinha os rebeldes, os loucos, os sonhadores; havia também alunos cativos, que se recusavam a crescer e adoravam o ambiente contestativo que existia ali; levavam o dobro do tempo para se formarem; e só o faziam mediante a possibilidade de serem jubilados
Naquela época queria ser diplomata!

Namastê!

sábado, 22 de março de 2008

FORAGIDOS

(Marina da Ribeira)

22/03/08
Olá companheiros, Sábado de Aleluia, mais um dia de perspectivas boas, mais um dia de mentalização positiva, mais um dia em que eu particularmente tento não perder a minha fé. FELIZ PÁSCOA a todos!
Boa Leitura!


Capítulo VII

Hoje ele não amanheceu bem; o problema neurológico, faz com que ele passe muito mal às vezes; os músculos da face se repuxam, sente muita dor de cabeça, fica com falta de ar, e o pulmão produz muito muco, perde muito peso em muito pouco tempo... Fico preocupada, me sinto impotente; ele diz que são as marcas de guerra que carrega no corpo; apesar de estar se sentindo mal; comporta-se com dignidade; é um homem forte, tem uma mente forte. Olho para ele com um amor quase maternal, dá vontade de colocá-lo no colo, de protegê-lo, mesmo sabendo que ele é uma rocha.
Fiz uma sopa, dei-lhe os remédios, e agora ele descansa; meu parceiro, meu amigo, meu amor; quantas lutas...; é um gladiador, que teimosamente e orgulhosamente sobrevive, apesar e a despeito das intempéries da vida.
É estranho; esse sentimento de utilidade, de proteção, que sinto quando o vejo fragilizado, acaba servindo de alavanca, à pena que teimo sentir de mim mesma, no momento se esvai, e me percebo forte, então, me esqueço, e o vejo.
O céu está chumbo, vai chover, a temperatura caiu, na MTV Pimp my Ride..., que só assisto pois moro em uma casa alta que capta os sinais; pedaços de mim vão ficando gravados na tela do micro; acendo outro cigarro, uma ignomínia com o meu pulmão. Ele dorme, a casa está silenciosa, acabo de tomar um banho, recolho a toalha e acendo mais um cigarro, essa droga ainda vai me matar, mas enquanto isso não acontece...
Olho para a tela; queria poder colocar nela em um só segundo tudo que sinto; sou melhor pensando do que escrevendo, digitando sou lenta e as idéias são mais rápidas. Como traduzir em palavras essa avalanche de pensamentos que me tomam?
Escrever é uma tarefa muito difícil, ou melhor, desnudar-se é uma tarefa muito difícil. Sou melhor com a fala; gosto da sonoridade palavras, da sua maleabilidade; gosto de ouvir o som da minha voz ao pronunciá-las; puro narcisismo!!!! Vaidade!
Deve; existir técnicas para se construir uma história, só que eu não as conheço, vou colocando palavras na tela, conforme consigo arrumá-las, dentro de mim.
Seria tão fácil se existisse um programa que pudesse scanear tudo que pensamos e arquivá-los no micro, e como num passe de mágica, milhares de livros sairiam de dentro de cada um de nós. Trilhões de histórias!
Tem horas que as idéias travam, como se sentissem aviltadas em serem expostas; ou vem em forma de avalanche não me dando tempo de transcrevê-las. Preciso descobrir uma forma de domá-las, de ordená-las, para que eu possa ter domínio sobre elas, para que elas possam traduzir o que realmente sinto.
Mas como domar sentimentos, emoções, lembranças, como fazer com que elas obedeçam ao meu querer, como fazê-las saírem ordenadamente sem se rebelarem ao meu comando?
Frente fria, dezoito graus; faz frio! Ele acordou, foi ao banheiro e diz estar se sentindo melhor. “Mas o teu amor me cura, de uma loucura qualquer, encostar, no teu peito, e se isso for algum defeito, por mim, tudo bem”. Ave Lulu!
A noite está cada vez mais fria, no telejornal, todas as mazelas mundiais, parece que há um acordo de cavalheiros entre as emissoras; só desgraça vende; então, tome-lhe más noticias; aviões que caem, políticos que roubam e também esquecem de usar preservativos; rios contaminados, aquecimento global, desvios de verbas públicas e toda sorte de baixarias possíveis que alimentam a curiosidade mórbida de uma sociedade entorpecida. Parece que apesar da pulsação constante do tempo a vida de muitos se tornou tão monótona que, acompanhar a alheia, se tornou um divertimento elementar. É uma epidemia de curiosidade; às vezes perversa; uma torcida agourenta, a clamar por deslizes, crimes e catástrofes. Quando não é desgraça, é alguém que foi flagrado beijando a mulher de outro, ou que estava sem calcinha, ou que levou travestis para o motel; um show diário, de voyerismo barato e maus presságios.
É a era do BBB; todo mundo é visto, observado e julgado! É a era da comunicação imediata, da curiosidade urgente, do esquecimento coletivo de si mesmos.
Penso nos meus filhos, e no que os espera, vivendo num mundo autofágico, que se devora e se regurgita, reinventando-se cada vez pior. Preciso começar a orar pelos meus netos; que ainda não nasceram; para que possam passar incólumes pelas, catástrofes do mundo, para que não se percam no desamor, no ódio e na ira, que permeia o mundo. Preciso aprender a perdoar; fazer com que minha decepção não aniquile o que sobrou de bom em nós, que não sufoque nossos sonhos!!
Sou alguém que acumulou uma quantidade grande de maus pensamentos; estimulada, pela insegurança e a timidez; era mais fácil desejar do que fazer; por isso talvez faça parte da minha personalidade libriana, ficar entre o sobe e desce da gangorra, indecisa, sem saber, qual o melhor caminho.
As decisões sempre foi o meu calvário; aprendi a me armar de todas as variáveis possíveis para que tudo saísse com o mínimo de erro; o que é impossível; o futuro é imprevisível, então as decisões são sofridas, chorosas, cheias de incertezas.
Aprendi a reagir aos “nãos” da vida de uma forma errada; sou orgulhosa e as forças cósmicas estão me impingindo uma lição de humildade. Aprendi a não depender, a não demonstrar fraqueza, mesmo quando esfacelada, ‘decadance avec elegance’, isso causa um grande desequilíbrio, a vida fica mais séria, mais densa, mais estressante. Tudo o que falei sobre os meus sentimentos estão sendo colocados à prova; o amor que era só uma palavra, agora é exercício efetivo, ele está sendo chamado a atestar tudo o que foi dito, e nem sempre é fácil vivenciar-se o que se prega. Estou no âmago do meu inferno astral, onde tudo é colocado à prova. Sinto-me em uma centrífuga sem saber como pará-la, o amor é real, mas a mágoa turva as avaliações. Preciso continuar escrevendo, colhendo lembranças, exorcizando as tristezas que há em mim, para poder, renascer mais forte.


Namastê!

sexta-feira, 21 de março de 2008

FORAGIDOS







(Av. Mém de Sá - Porto dos Tainheiros)











21/03/08
Bom dia!
Nem sei se é, recebi esse e-mail e tenho que refletir:
“Li e não gostei do seu desabafo a respeito de sua vida particular e da maneira grosseira como vc se refere. Pensei que as dificuldades fossem lhe levar a uma reflexão menos agressiva. Quando se estar por baixo ai mesmo é o sentimento chamado humildade se impõe.
A arrogância demonstrada no seu texto evita que alguêm se incline a juda-lá.”
Peço desculpas a todos se pareço arrogante, talvez o seja sem perceber.
Não sou escritora e não sei se o intuito seja esse; escrever tem sido um desabafo, uma conversa com todos e com ninguém ao mesmo tempo; talvez comigo mesma.
Escrever tem sido uma forma de manter a fé em dias melhores!
Mais uma vez desculpem-me!

Capítulo VI

Já era tarde e a noite estava quente; na rua alguns bêbados, casais de namorados, pescadores de linha sentados na amurada; meu pai pescava assim, linha de nylon com anzóis e chumbo na ponta; e lá vinha uma profusão de baiacus que inchavam como balões de borracha. Estava a caminho de casa, passando em frente ao REX; o único edifício de sete andares, que existia naquele pedaço, o resto era casas e sobrados; quando um corcel azul parou do meu lado, a principio não liguei deixei ele me seguir devagarzinho; o cara era lindo, encostou o carro e desceu e me esperou passar?
– Está tarde para uma menina andar na rua!
- Estava na casa do meu tio; tô indo para casa!
Ficamos conversando sentados na amurada; chamava-se Paulo, quinze anos mais velho, terminara engenharia, tinha olhos negros, cabelos cheio de cachos; um anjo castanho; morava em Monte Serrat, um bairro próximo, era legal; tomamos sorvete na amurada, vendo o vai e vem tranqüilo do mar; na carona de volta para casa, aos quatroze anos deixei de ser virgem.
Não foi traumático, simplesmente aconteceu. Essa foi uma época cruelmente divertida; olhando de onde estou agora. Como a minha mãe era uma pessoa muito rígida fiquei paranóica com a possibilidade dela, descobrir o que tinha acontecido, porque eu mesmo não sabia; tinha deitado com o cara, mas era leiga no assunto; ela dizia que poderia descobrir se uma moça não era mais virgem pela forma de andar; era um inferno; devorei tudo que pude sobre sexo na biblioteca do meu tio e ainda tinha e driblá-lo para acessar esse tipo de leitura. Eu vivia me policiando, andava com as pernas bem juntinhas, para ela não perceber nada errado, mas era tudo “caô”, ela nunca percebeu nada, depois de um certo tempo relaxei e o medo passou. No princípio pensei que seria algo complicado, mas não foi, e não encarei como sujo ou pecaminoso, às vezes me espanto como lidei com tranqüilidade com a perda acidental da virgindade.
Paulo era; bonito, inteligente, divertido, namoramos um pouco e depois ficamos amigos, mas devia ser um porre namorar uma garota tão nova, e que não tinha liberdade, por isso virou namorico; só de vez em quando, depois acabou.
Nessa época minha mãe, queria me casar com o filho de um antigo namorado, que tinha se tornado um grande fazendeiro; o rapaz cursava medicina, era bem mais velho e tinha outros interesses. Conheceram-se quando jovem, minha mãe achava que a história que não deu certo com ela poderia dar comigo; ele também gostou da idéia, mas o filho; penso; era indiferente, não morria de amores por mim, devia ser legal namorar uma moça novinha para dar uns beijinhos, mas éramos distantes tínhamos sintonias diferentes, ele já ia se formar em medicina, eu acabado do entrar para o científico.
Foi um namoro que durou quase um ano; ele vinha me ver, trazia um livro gigante sobre medicina, e ficávamos na varanda ou dentro do carro estacionado na porta; eu fazendo perguntas, que ele anteriormente marcara; e ele respondendo; de vez em quando um beijo; era um porre, mas mesmo assim, minha mãe “fazia gosto”.
Ficou fazendo; dei um pé no cara e fui namorar o Ibson, para decepção mortal de mamãe; que nunca me perdoou, por ter deixado aquele partidão.
Moreno, de descendência peruana, Ibson era muito magro, alto, cabelos curtos, muito lisos; tinha vinte três anos, morava com os pais, não trabalhava; parou de estudar, era um maconheiro de carteirinha e minha mãe o odiava. Apesar de ter trancado a faculdade de História há dois anos; ele era um cara culto, vivia em um mundo próprio, fumava maconha o dia todo, lia muito, o pai era comerciante, possuía loja de tecidos; para minha mãe, “um vagabundo profissional”.
Meu lindo peruano, sabia que eu não era mais virgem, mas nunca forçou a barra, levamos mais de um ano para dormirmos juntos, namoramos dois anos; apesar da minha mãe, ela sabotava sempre que podia, mas ele não ligava, nem eu.
Dois anos e ele continuou o mesmo, sem saber para onde ir; parecia que ia ficar a vida toda, lendo, ouvindo música e fumando maconha. Foi um amigo incondicional durante a doença do meu pai, o carinho que vinha dele mantinha minha sanidade, foi companheiro, solidário, no dia do enterro me pediu em casamento, me senti acolhida, mas nossos caminhos já não iam para a mesma direção, eu não queria ficar mais em Salvador, e antes do meu pai morrer, meus tios já haviam me convidado a estudar no Rio. Quando lhe disse que realmente ia embora, foi difícil, ele chorou, ficou magoado, chutou algumas cadeiras, dizia que não sabia como eu podia acaba com um namoro de dois anos assim com um tchau? Mas foi assim; tchau e nunca mais o vi.
Como pude me desligar de alguém assim tão rápido quando, por tanto tempo ele foi tão importante? Como pude descartar com rapidez aquilo de achava me fazer tão bem?
Não era amor; companheirismo, amizade, carinho e talvez no fundo um pouco de birra; minha mãe merecia; mas não era amor; mesmo assim me senti muito mal; foram dois anos de convivência alegre. Ainda nos escrevemos por algum tempo até que as cartas acabaram e acabou!
Vida nova, amor novo!

Namastê!

quinta-feira, 20 de março de 2008

FORAGIDOS

(Porto dos Tainheiros/Salvador/BA)

20/03/08
Olá amigos, mais um dia sob o sol!
E eu vou acreditando que as nuvens serão passageiras e o azul do céu imperará sobre nós.
Boa leitura!

Capítulo V

Às vezes acordo no meio da noite e os vejo dormir, é um momento em que todos estão tranqüilos e posso observá-los, e oro, para que possamos ter chances de vê-los com filhos, nossos netos; nossa eternidade.
Quase não saio; esses foram tempos de leitura, de informação televisiva e tédio. Porque esperar algo acontecer é angustiante; “a perspectiva de um fato é pior que o próprio fato”. Esperar a liberdade tem sido uma tarefa não muito divertida, o que vale é que ele está aqui.

Perdi a virgindade da maneira mais babaca possível; e não foi com Ibson!!
Estava voltando da casa do tio Adhemar; irmão do meu pai, advogado aposentado, tinha sido Secretário de Fazenda do Estado, morava na Avenida Mém de Sá, Porto dos Tainheiros, em frente ao aeroporto desativado de hidroaviões; nós morávamos no lado oposto, mas perto. A casa é uma história á parte, para lá convergiam duas gerações totalmente distintas.
Viúvo, só um filho, Dinamar, mistura de Aldina, mãe e Adhemar, morava na Pituba, um bairro da cidade alta, era casado e tinha três filhos, meu tio morava sozinho com uma empregada em uma casa grande, sete quartos internos e outros quatro externos, um belo quintal com uma mangueira frondosa, de mangas “carlotinha”, um mel; pé de pitanga, pinha, mamão, goiaba, banana, carambola, além de flores, plantas e ervas medicinais, era um local bem cuidado por ele, aonde os pássaros vinham comer e cantar; as janelas da sala de jantar davam para o quintal, o telhado dela era de telhas aparentes, envernizadas, sobre vigas também envernizadas, e deixava um cheiro de madeira no ar, além dos aromas vindos de fora e que invadiam a casa; se viessem da frente era cheiro de mar, se viessem do fundo era cheiro de planta. Posso fechar os olhos e ver as bordas dos canteiros decoradas de conchinhas que ele pegava na praia e as colava pacientemente sobre o cimento, uma infinidade delas, coloridas e brilhantes, desenhos grafados na minha memória e no meu coração, me sinto agraciada por ter essas lembranças.
Ele era aposentado mas, ativo e vivia procurando ocupar o tempo. Tinha uma biblioteca “poderosa”, e a colocou à disposição dos jovens do bairro, então os primeiros quartos interligados viraram salas de estudo, janelas voltadas para o mar, uma maravilha; eram concorridas; muita gente puxou meu saco por causa delas. A casa se tornou uma referência para trabalhos em grupo, havia um extenso material de pesquisa, além disso rolava um lanchinho, aí então que virou “point” mesmo. Lá só se estudava; não se fumava, nem namorava, nem brincava; ele estava sempre por perto ajudando a localizar os livros que ficavam empilhados pelas mesas de canto, nos braços das poltronas, ou naquele monte de estantes, que mais pareciam ‘cristaleiras’; armários trabalhados, com portas de vidro lapidado, que se usava antigamente para guardar cristais. Havia muitas enciclopédias, dicionários diversos e de várias línguas, livros de contos , poesias, literatura brasileira e universal, além dos científicos, era um maná de informações, um celeiro de conhecimento. Era maravilhoso sentar naquela mesa enorme no meio da biblioteca, e através dos janelões abertos, ver a balaustrada e o mar, de vez em quando um barco, uma ave.
Outro grupo se reunia lá, o da terceira idade. Para entenderem melhor como eles dividiam o espaço vou descrever a disposição da casa. A porta da rua dava para o corredor, do lado direito três portas, dois quartos interligados que se transformaram em biblioteca, juntamente com o seu par do lado oposto corredor, mais a frente havia outro quanto, depois a sala, onde havia mais dois quartos e do lado oposto, a copa e em seguida a cozinha que possuía uma porta que dava para o quintal; era arejada tinha janelas e já no quintal vinha os outros quartos, três serviam e depósitos e um era a oficina do meu pai; ou melhor ele chamava de oficina mas, era na verdade um quartinho de entulho, tinha de tudo, porca, prego, solda, rádio velho, tv quebrada, pneu, pedaços de ferro e mais o que você imaginasse; quando não estava pescando ou jogando, estava tentando consertar alguma coisa.
Ele tinha de tudo ali, era um guardador de inutilidades, que dizia servirem para seus concertos, ah!, e os banheiros, eram três, e no quintal, nunca entendi, uma casa com tantos quartos e tão poucos banheiros e externos; vá entender.
Os senhores se reuniam na sala de jantar e na copa, mas quando o jogo estava bom, era colocada uma mesa no quintal. Jogavam buraco a dinheiro, mas era pouco, uma brincadeira, eram mais ou menos vinte, entre 68 e 80 anos, aposentados e que jogavam de tarde, de noite e madrugada adentro; inclusive meu pai; adoro buraco, aprendi com ele; jogavam gamäo também; revezavam-se nas mesas e com os parceiros, ora uns jogavam, ora olhavam os outros jogarem.
Era uma casa diferente, onde gerações distintas conviviam harmonicamente e com objetivos claros; nem os jovens chegavam perto do jogo, nem os adultos interferiam na área de estudos; cada um com seu espaço e com sua diversão; até por que lá era divertido estudar.
Nos dias de regata, a casa ficava concorrida, filho, nora, netos, sobrinhos, os amigos que não paravam de jogar nem em dia de regata, os jovens sentavam na balaustrada para ver os barcos, os adultos nas cadeiras de lona em frente da casa, era uma festa colorida e alegre. O Clube de Regatas Santa Cruz, ficava no mesmo passeio, há alguns metros de nós, íamos e voltávamos toda hora para ver os remadores colocando os seus barcos na garagem. Lindos, negros ou queimados de sol, fortes e jovens, eram nossos sonhos encantados, todos mais velhos não davam a menor bola, mas mesmo assim era uma festa ter aquela ‘homarada’ por perto, mesmo que fosse só para ficar babando.
Tio Adhemar, era olhos da minha mãe sobre mim. Se eu fumava e ele sabia, ela também sabia, se eu tinha beijado e ele sabia, ‘mamy’ logo sabia, ele estava lá em casa todos dias e ela esperava o relatório para saber como ia me ferrar. Era pontual como relógio; na hora do almoço ele chegava, mas como tinha úlcera comia antes em casa, sentava no sofá e cochilava, até minha mãe ir conversar com ele, aí no princípio da tarde ele ia para casa ver como as coisas andavam. No começo eu achava que ele me perseguia, mais depois percebi que fazia isso para agradar a minha mãe!
Tomei algumas boas cacetadas dela quando garota, apesar de não enfrentá-la acabava fazendo o eu que queria: -Tá bom mãe, é a última vez! Última vez nada, o negócio era não discutir.
Quando o meu pai morreu, e vim para o Rio, ela foi morar na casa dele e o cuidou durante anos, sempre achei que no fundo ele tinha se apaixonado por ela.


Abraços amigos, até amanhã!

quarta-feira, 19 de março de 2008

FORAGIDOS




(Sorveteria da Ribeira- Salvador/BA)

19/03/08
Oi companheiros!
Hoje, sem muitas novidades, lá vai mais um pouquinho de lembranças...

Capítulo IV
Quase não saio, e quando o faço, acabo não indo muito longe; gostaria de descrever o que vejo, mas somos foragidos, não temos endereço certo e sabido, então prefiro dizer que paro e vejo a vida passar... E daqui de onde escrevo posso ver o céu e ouço sempre um bem-te-vi cantar...

A viagem para o Rio começou tranqüila, mas conforme ganhávamos terreno as coisas foram ficando difíceis, era época de chuvas e muitas barreiras caíram na estrada, estávamos a caminho da divisa com o Espírito Santos quando ficamos presos, perto de Itamarajú/BA; que estava isolada por causa da enchente do rio Jequitinhonha. As águas subiram mais de um quilômetro para cada lado, nos deixando presos quase uma semana, em um posto da estrada, há poucos quilometro da entrada da cidade. Foi coisa de louco, muita chuva, quase nenhuma água potável, mais de trezentas pessoas, mais de cem ônibus parados, muita confusão.
No primeiro dia até que foi divertido, o restaurante do posto ainda tinha comida e vinho e foi uma madrugada de muita chuva e cantoria. No segundo os mosquitos nos descobriram e as coisas começaram a ficar incomodas, daí por diante o caos. Helicópteros do exército jogavam mantimentos e água potável, mas não tinham permissão de pousar, pois tinha gente demais e não podiam ser retirados naquelas condições, só nos restava aguardar, era tudo uma doideira total! Só no quinto dia meus tios conseguiram me localizar através, do gerente do Banco do Brasil da localidade. No sexto dia, já com uma situação insustentável; uma senhora tinha enfartado no ônibus e não havia como ter socorro imediato; a cidade também estava sofrendo com a enchente; da parte baixa da cidade só aparecia à cruz do alto da igreja; o resto estava sob a água, tivemos que assinar um termo de responsabilidade para passar a pé na ponte que estava interditada, e ela não agüentaria o peso dos ônibus. Fizemos as listas das pessoas que concordavam em retornar, relacionamos os números dos ônibus/ horários/ destinos/ empresas de cada um, e tivemos que autografar em baixo; uma exigência de um representante local do Departamento de Estrada de Rodagem, para só assim liberar a travessia da ponte, que estava tombada, com a metade dentro do rio e só uma lateral para cima. Passamos com uma corda na cintura, agarrados na amurada; na parte de baixo a correnteza do rio era forte, e troncos de árvores ficavam retidos pela ponte, deixando-a mais insegura, quando eles se chocavam contra ela.
Do outro lado vários ônibus aguardavam os “flagelados” para levá-los de volta a Salvador; era impossível seguir adiante. As listas foram entregues a os representantes das empresas e os viajantes, encaminhados para a viagem de volta. Mesmo com esse desvio, a minha vontade de conhecer o novo me fez passar por cima do medo e ir.
Cheguei ao Rio três dias depois de avião!

Copacabana 1979, dezenove anos, Sá Ferreira, posto 5, Hotel Miramar, La Pomme D’or, pré-vestibular no Miguel Couto Bahiense, aulas de yoga, sábado à noite no cinema, Roxy, Rian, Ricamar, Jóia, compras na Papelaria Iracema, ao Bicho da Seda, LoBrás, Slopper, muito milk-shake no Gordon, ou no Bob’s da Domingos Ferreira; dias de sol e noites de lua nas pedras do Arpoador, sem iluminação, é claro, corrida de Maveric na Ponte Rio - Niterói, meias de lurex, Frenéticas, Dancing’Days na TV, Marina Lima no rádio, Cláudio Zóli no walkeman.
Uma fase nova, novos parentes, novos vizinhos, Rio de Janeiro era uma festa, Ribeira era um bairro tranqüilo, Copacabana fervilhava!
Não foi tão fácil me adaptar, ainda sentia morte do meu pai, e apesar do exterior arder a minha volta, havia um vazio enorme em mim, mas o Rio tratou de amenizá-lo com sua acintosa alegria, era uma época de muito livro e preparação para o vestibular; mais do que nunca me sentia estrangeira. Continuei mal por algum tempo, engordando a cada dia, me levaram ao médico, o “psiquiatra de plantão”, toda boa família tinha um, qualquer rebeldia, e você era interditada. Diagnóstico: - Estresse pós-traumático, disse ele. Comecei a fazer yoga, andar no calçadão, parei de fumar, fiquei mais tranqüila e comecei a emagrecer. Nessa época conheci um amigo do meu tio, Dr. Cardoso, pai da atriz Louise Cardoso, que era médico e andava todo dia no calçadão, foi quem me ajudou a perder peso. Era um cara legal!!
Como o vestibular de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro era no final do ano, me preparei para fazer as provas das faculdades particulares, para saber o quanto mais teria que estudar para passar em medicina.
A minha família era formada na sua maioria por advogados e médicos e foi quase automático, me inscrevi em Direito, passei.
Ora, ora e agora? Fui classificada para direito, área de ciências humanas nada a ver com a área de saúde, nunca me pensei advogada, como alguém com dificuldade de interagir, poderia ser uma advogada? Não queria defender nenhuma causa, queria conhecer a mente humana, queria conhecer o ser humano, queria me conhecer. O direito para mim era árido, duro, sempre ligado a disputas, pomposo. A família achou maravilhoso, meu tio era advogado, fazia parte do Instituto dos Advogados do Brasil, um homem estudioso do direito; o meu primo também era; então, seria perfeito; todos trabalhando juntos.
Ui! Não era aquilo que eu queria e tratei de deixar claro que continuava a me preparar para fazer medicina. Mas mesmo assim decidi me matricular no 1º ano acadêmico de direito, Faculdades Integradas Bennett, era melhor do ficar no pré-vestibular, no final do ano trancaria a matrícula e faria medicina, mas isso nunca aconteceu, o direito me pegou e fez cativa.
Auditório cheio, alunos de economia, sociologia e direito, aula inaugural!
O mundo acadêmico me encantou, muita gente da minha idade no mesmo lugar, algumas como eu, vindas de outras capitais para estudar no Rio; cheias de sonhos, e medos disfarçados em certezas; um movimento frenético de jovens, uma avalanche de idéia, assuntos, muita vida pulsando... vida noturna; estudava a noite!! Um ritmo ansioso e feliz, todos, em busca de si mesmos, foi uma época de maconha, papo cabeça, chope no Trombada, muito rock “do bom” pelas ondas da Fluminense FM – A Maldita! E rolam as pedras!!!!!
O ‘Trombada’, uma lanchonete que ficava em frete do Bennett, na rua Marquês de Abrantes, e que existe até hoje, era onde os alunos paravam para exercitar esportes muito excitantes, observação da vida alheia, conversa fiada e o mais concorrido; alterocopismo.
Êta vidão!!
Final dos anos 70, fim de década, Figueiredo no poder, Ulysses Guimarães no Congresso, a anistia; que não foi nem ampla, nem geral, nem irrestrita; muito pelo contrário; no rádio Fagner, Céu da Boca, Alceu Valença, Oswaldo Montenegro, Lô Borges, Dusek, a Cor do Som; era tempo de festivais; e de toda sorte de esperanças cantadas e faladas em voz alta, sem o pudor dos que já conheceram os percalços da vida, e a medicina foi ficando mais distante. Enquanto o tempo passava comecei a me interessar pelas matérias e pelo ambiente, e preferi adiar um pouco o vestibular; fui apresentada a Leo Huberman, Marx, Engels, Erasmo de Roterdã, a sociologia jurídica e toda sorte de boa leitura, um leque de opções, de assuntos que eu ainda não tinha lido; acabei me apaixonando pelo Direito; não o direito, frio, impessoal mas, o vivo, humano, o que se importa. Esse me encantou!
Eu continuava sendo uma pessoa retraída, apesar de ter amigos legais na faculdade, éramos um grupo de estudo, oito pessoas, dois deles vieram de Manaus, tinham acabado de se casar, eram novos, dezenove e vinte anos, e os pais de ambos “bancavam” os estudos e a permanência no Rio, o apartamento deles na, Marquês de Abrantes era o nosso quartel general, estudávamos, conversávamos, fumávamos, enquanto o casalzinho tentava perceber, que eram casados. Apesar dos muitos rapazes solteiros no grupo eu continuava sozinha, ainda me sentia tristonha com a morte do meu pai e o término do namoro com Ibson...

Tchau, amanhã tem mais!