segunda-feira, 4 de maio de 2009
"FORAGIDOS"
As vezes me sinto num cinturão de quarentena, um "cordon sanitaire", rodeada de uma indesejabilidade quase palpável.
A vida tem me oferecido muito motivos para duvidar do futuro, mas continuo tentando perceber a claridade difusa da esperança que a fé me permite ver.
Viver em contínua sensação persecutória é extresse puro, viver esperando o que não se sabe o que; é punk, mas tem forjado em nós uma certeza inabalável no que sentimos.
É amigos, falei uma grande bobagem, amar seja lá quem for é sempre uma tarefa prazeirosamente difícil, é sempre um salto no abismo, uma vertigem inimaginável.
Não importa se certinho ou não, qualquer um sofre uma transformação positiva quando é amado, o amor cura.
Amar é apostar no outro, é perceber-se bem ao seu redor...
Enquanto a inspiração luta bravamente contra o tédio... sigo lendo poesia... de Silvia Chueire, de Yeats e Sylvia Plath, ouvindo Adriana cantar...
A PALAVRA
Silvia Chueire
"a palavra em ângulo agudo
risco no ar
adaga
a descer sobre o homem
ferida à flor dos olhos.
voz letra
música
a palavra inevitável
II
a palavra a dizer(-se)
de algum lugar
ave a subir nas minhas mãos
a voar delas"
MAR
"cola a tua boca
no mar que sou
o sal e as ondas
derramadas.
ouves o marulhar
na respiração ritmada
que cresce
e desliza na praia?
às vezes é tudo tão azul
que ofusca."
QUEREIS MUITO
"quereis a palavra certa
na hora certa.
não apenas o metro correto,
a frase bem feita.
quereis o sangue,
a alma do poeta,
a vida curta a galopar
gargantas
— como se não custasse esforço
fingir que fingimos —
quereis a vida,
a árvore da vida.
não apenas o trajeto reto,
geometria exata.
quereis elipses, parábolas,
o sabor mais íntimo
a perpassar vocábulos.
— como se cada letra
não fosse gota derramada —
quereis o que não sei
se posso dar.
o segredo do olhar,
o frio que me corta a pele
antes que a palavra
se esfacele e arda
na fina folha
de cada momento.
— como se cada volta da caneta
não fosse hesitação —
quereis muito, senhores,
muito.
mais do que pode
a mão que escreve o poema.
mais do que pode
um simples coração."
O PRAZER DO DIFÍCIL
William Butler Yeats
Tradução: Augusto de Campos
"O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de teatro que se escrevem
Com cinqüenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários,
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente,
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado."
ESPELHO
Sylvia Plath
"Sou prateado e exato. Não tenho preconceitos.
Tudo o que vejo engulo no mesmo momento
Do jeito que é, sem manchas de amor ou desprezo.
Não sou cruel, apenas verdadeiro —
O olho de um pequeno deus, com quatro cantos.
O tempo todo medito do outro lado da parede.
Cor-de-rosa, malhada. Há tanto tempo olho para ele
Que acho que faz parte do meu coração. Mas ele
falha.
Escuridão e faces nos separam mais e mais.
Sou um lago, agora. Uma mulher se debruça
sobre mim,
Buscando em minhas margens sua imagem
verdadeira.
Então olha aquelas mentirosas, as velas ou a lua.
Vejo suas costas, e a reflito fielmente.
Me retribui com lágrimas e acenos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã seu rosto repõe a escuridão.
Ela afogou uma menina em mim, e em mim uma velha
Emerge em sua direção, dia a dia, como um
peixe terrível."
Namastê!
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