quinta-feira, 21 de agosto de 2008
FORAGIDOS
Astor Piazzolla
Mais um dia quente de inverno e tudo no mundo muda de forma veloz, o sol brando, calmo que entra pela minha janela, me faz acreditar que poderei ser feliz!
"O Que Procuro?"
O que procuro
Que não encontro
E quando encontro
Ainda falta achar?
O que achar
Se não sei o que falta
Se já tenho tudo
Que o amor pode dar?
Onde me encontro?
Na espera perene
Da família unida, de amizades sinceras
Do previlégio de amar.
Simone M.
quinta-feira, 1 de maio de 2008
FORAGIDOS
Olá! Saudades!
Mais um feriado, mais um dia em que tentamos nos confraternizar, cuidar da família, ter fé no futuro, parecer humanos...
Fiquei esse tempo pensando como contar essa história, como dizer como cheguei até aqui.
Criar um caminho harmonioso, dentro do turbilhão de emoções que sinto, para que surja a idéia salvadora que me transportará para campos mais floridos e com alegrias mais duradouras.
Fico imaginando como começar essa história sem ser piegas; é uma história de amor e impregnada de sonhos, planos, esperanças que se arrastam até hoje sem se cumprirem, por vivermos a vida pelo lado de fora da própria vida.
Existe algo que me empurra, mas há algo mais forte que me prende e vou tentando compreender qual é a resposta certa, para essa minha vida que ora pondera e ora delira!
De certo só o amor, esse sentimento que cuida, protege, aninha; e que tem nos mostrado o caminho certo, mesmo que longo e pedregoso, para que servisse de aprendizado, mas sempre na direção certa; a da esperança que sinaliza com um leve aceno, tímido, mas real.
Tem sido dias de exercício de Fé, de espera pelo momento oportuno, que nos leve na direção do equilíbrio!
segunda-feira, 21 de abril de 2008
FORAGIDOS
domingo, 20 de abril de 2008
FORAGIDOS
Olá!
Como vai indo o feriado?
Eu como sempre em casa, li um pouco, fizeram-me ver o jogo do Botafogo e agora sento para dizer que não tenho muito a dizer; estou fazendo a correção do texto de amanhã, então; continuem em movimento!
sexta-feira, 18 de abril de 2008
FORAGIDOS
18/04/08
Olá!
Que o dia tenha sido bom e que a noite seja melhor...
Mais uma vez estou oca, hoje o nada volta a se instalar; para relaxar um pouco, leio, Simenon; faz bem viajar por outras histórias, criar um distanciamento para poder contar a que me propus; desligar-me um pouco das minhas lembranças e percorrer outras emoções, então quem sabe, da memória amordaçada comece a brotar, com mais facilidade, momentos, cheiros, frases, gostos...
Sem inspiração para o começo de mais um feriado, que tal mexer o corpo nessa sexta; sempre dá certo!
DIVIRTAM-SE!
quinta-feira, 17 de abril de 2008
FORAFIDOS
17/04/08
Oi amigos!
Que o dia seja doce e repleto de bons recheios!
Que como crianças, se lambuzem com pequenas delícias!
E aí, abraçou alguém ontem? Espero que sim!
Boa Leitura!
Acordei com essa música na cabeça, ela tem a mesma força pernambucana do homem que dorme comigo, e enquanto Lenine canta pra mim, vejo esse bombom recheado e lembro da minha mãe na cozinha, fazendo compotas maravilhosas de manga, goiaba, carambola, tamarindo. Adoro doces, chocolate, jujuba, sonho de padaria com açúcar de confeiteiro em cima, mas acho o recheio enjoado; como só a casca. Com onze anos eu e minha mãe fomos de férias para o Rio, meu pai detestava viajar; dizia que não havia lugar mais lindo que Salvador, então, viajávamos nós duas; íamos para casa de Tio Evandro; era praia todo hora e me lembro de uma tremenda indigestão por ter comido muitos Churros; em Salvador nunca tinha visto ou provado aquilo e era gostoso, depois para rebater fui apresentada ao Grapette, um refrigerante de uva, bebi alguns, daí para frete o caos; vômito no meio da rua, dor de estômago; e já era o passeio.
Me lembro do anúncio até hoje; “Quem bebe grapette repete”; e mesmo quando voltei definitivamente anos depois, nunca pude imaginar sem um quê de enjôo, a mistura do churros com grapette.
Tempos de absoluta e inocente alegria, mas preciso voltar a história que estavava contando, acendo um cigarro...
Padre Bruno, mantinha uma rotina de trabalho, tanto na Vila Dois Rios como no Rio, atendendo e encaminhando problemas vindos das mais diversas unidades; a pastoral, ficava no sub-solo da Catedral, perto da Lapa, suas estagiárias também eram boas e ganhavam uma ajuda de custo, enquanto nós; ui; maior dureza, mas por outro lado, nós tínhamos mais acesso às informações, porque estagiávamos no próprio sistema; isso nos dava acesso livre aos cartórios; ajudávamos a procurar processos nos arquivos da VEP, que era uma loucura; pilhas e pilhas de processos, em estantes, nas mesas e por termos jogo de cintura sempre as informações nos chegavam com rapidez. Nós não interferíamos nos processos da pastoral e vice-versa, cada um cuidava dos seus clientes; posso dizer, que através do nosso trabalho saíram de lá mais de duzentos internos, ou em livramento condicional ou transferido de regime, ou para uma unidade menos rigorosa.
Quanto mais o nosso trabalho avançava, mais percebíamos injustiças, humilhações, que nem sempre ocorriam com a concordância da direção da unidade, mas acabava sendo tolerada por puro corporativismo, outras tantas com a aquiescência da administração.
Mas aquela era a forma que o sistema se comportava, todas as unidades possuíam os mesmos problemas; não havia preocupação com o homem, com a sua possibilidade de escolher outros caminhos. O sistema era punitivo, não havia preocupação com o resgate das pessoas em si. Um depósito de homens, empilhados aos milhares pelo Brasil afora aguardando que alguém quem sabe, viesse lhe buscar como uma mala velha, esquecida em um armário de rodoviária.
Não havia como fazer carreira num sistema que se comportava assim; o preso era só um RG, poucos trabalhavam, poucos estudavam, era uma unidade antiga, com setores interditados, não havia trabalho para todos na prisão; uma cadeia que exigia uma disciplina mais rígida do preso, mas não oferecia um tratamento digno.
Não era bem no sistema que eu queria trabalhar, mas o destino; esse sacana, me fez conviver com ele e nele quase um quarto de século.
Não gostava do que via, queria um direito; vivo, real, não ia me formar para ser assistente jurídica ou chegar a ser diretora de unidade prisional.
Cruz credo; é barra pesada demais!
Nossa convivência foi ficando cada dia, mais complicada; passamos a sermos revistadas mesmo com a PM e os funcionários sabendo quem éramos; uma provocação, para ver como reagiriam as “doutoras”; havia um ciúme e uma desconfiança do princípio de envolvimento de uma de nós com um preso.
Nunca fomos maltratadas por qualquer coletivo com qual trabalhamos, e os internos da Ilha Grande foram dos mais respeitosos, passamos a fazer as refeições nas biroscas; o preso transformava o seu cubículo em uma “vendinha” e ofereciam uma comida melhor do a servida no cadeião ou éramos convidadas para comer nos mais diversos cubículos a convite dos internos e era aonde acabávamos sabendo quem tinha apanhado, quem não conseguiu receber visita por pura implicância de funcionários, da qualidade péssima da comida, da falta de trabalho; era uma cadeia pobre, era urgente a necessidade de oferecer perspectivas para aquele monte homens que sabiam ter uma longa pena a cumprir e nada para fazer.
Então já que não rolava trabalho; só para alguns poucos, estudo ou outra coisa que o valha; o negócio de alguns presos então, era fazer buraco para ver se conseguia fugir, ou pular o muro e sair em disparada, na tentativa enlouquecida de fugir das balas das, ponto-trinta das guaritas, que zuniam sem parar; e lá se iam, em zig-zag até alcançar a mata, e enquanto isso as “macacas”, cantavam nas suas costas. Fugir assim era tentar a sorte, mas para alguns, era preferível tomar uma bala nas costas tentando, do que viver em condições de miséria, sem família, sem visita, em uma cadeia pobre e de disciplina rígida.
Naquela altura já havia um desconforto com a nossa postura a favor das questões colocadas pelos presos, e com as quais concordávamos, então recebemos um ofício pedindo nosso regresso. O padre também não morria de amores por nós; fazíamos uma espécie de concorrência ao trabalho da pastoral, o que não era normal vindo de estagiários do DESIPE, que tinham fama de serem ‘meia bomba’, por fazerem um trabalho voluntário.
Aquela era a última semana; Valéria já tinha me colocado a par da sua decisão; pedir seu desligamento do sistema e visitar Paulinho como sua mulher.
No princípio fiquei meia, confusa, com a certeza dela, que ainda estava descobrindo o que sentia e eu, que já havia experimentado essa sensação na primeira viajem; preferia ignorar.
Ele durante esse tempo me rondou de forma discreta, começou a me enviar coisas que ele escrevia, poesias, poemas, que sempre eram o gancho para uma boa conversa e começamos a perceber que tínhamos muito em comum apesar de a princípio tão distantes. Ele havia se separado da mulher há mais de um ano e tinha um filho pequenino; que a enteada levava; de vez quando para visitá-lo.
Como eu, era um caminhante, mais um perdido no mundo, procurando partes de si mesmo em coisas e pessoas. No último dia, antes de partirmos pedi que um interno fosse chamá-lo; ele veio meio triste e aborrecido; achava que a unidade voltaria a ficar com a jurídica a deriva e que nunca mais nos veríamos e eu disse que estava apaixonada; o cara quase caiu da cadeira; perguntou: -Tem certeza? Estava escrito nas estrelas!
Namastê!
quarta-feira, 16 de abril de 2008
FORAGIDOS
Olá!
Ainda respiramos, então temos chance de mudar alguma coisa, no mínimo hoje, um gesto de gentileza, um abraço sem motivo, um riso sincero, um te amo de surpresa, um beijo roubado; vamos tentar? Amanhã quem sabe poderemos repeti a dose e aí, um dia, nos acostumamos a ser assim a cada minuto.
Boa Leitura!
Antes, uma escancarada esperança.
Depois, o vácuo.
Agora ela volta, tímida a se insinuar.
Insiste; ainda frágil, em nos empurrar para fora do nosso micro-mundo.
Ignora a nossa dor, e nos acena com pequenos gestos, a possibilidade de prosseguir.
Insinua-se ainda frágil, mas tende a ficar prenhe; Oxalá dê-nos seus frutos!
Enquanto isso nos redescobrimos, após quinze anos de não-convivência vamos, nos aprendendo, nos surpreendendo, nos perdoando.
Essa bela que nos espreita, tem pincelado algumas cores; ainda que pastéis; em nossas vidas, e faz com que o cinza deixe de ser tão permanente.
Como ganhar sem perder? Manter o todo, reafirmá-lo sem que se pulverize?
Sei lá; continuamos tentando, enquanto a vida nos prepara para nós mesmos, nos dando a chance de nos conhecermos de novo, de confrontar-nos com as nossas diferenças e percebê-las reconciliáveis.
Certeza? Só uma, os “todos nós” é melhor e mais prazeroso que do que o “nós” estéril da falta de um dos elos; então seguimos juntos; o rastro tímido dessa esperança acanhada, que nos olha, talvez curiosa com a nossa resistência.
Quantos dos que lêem o que escrevo me conhece?
Mesmo aqueles com os quais convivi muito tempo? Pouquíssimos.
Reconheço que falo para pessoas que ou não me conhecem ou não conheceram bem, que não conviveram comigo em condições que pudessem descobrir, gostos, preferências, hábitos, ou mesmo como penso ou o que fazia no meu tempo fora do trabalho, do que ria e com o com me distraia, o que lia, qual música ouvia.
Enquanto escrevo percebo que passamos pela vida de forma discreta, entre os pingos da chuva, talvez pela forma com que a compartimentei; acho que possuo uma boa dose de hormônios masculinos, só dá para pensar uma coisa de cada vez; por isso achei mais fácil dividi-la em três partes; a vida doméstica, onde sempre foi território nosso, pessoal, onde muitos poucos conseguiram entrar e os que chegaram até nós, foram educadamente distanciados.
Para mim essa foi uma forma de proteção para uma micro-família, onde a mãe passava mais tempo trabalhando do que com eles, e que o pai estava ausente desde que eram pequenos; a casa sempre foi o útero, onde sempre fui eu mesma com defeitos e qualidades; não sei quantos filhos conhecem realmente os pais ou quando foi que os descobriram em sua grandeza e na sua pequenez, os meus me sabem; e isso sempre gerou em nós uma confiança respeitosa.
Nunca valeu mentir; mamãe ama, adora, venera, mas mãe é mulher, sangra todo mês, tem TPM, fica puta com o mundo e consigo mesma, e nesses dias; como dizia uma amiga “Dez anos de análise", para os três, mas o amor, foi exercício diário, e mesmo nos dias de pouca sintonia, foi o elo, que nos uniu e fez dessa caminhada, não mais de um homem buscando liberdade, e sim uma família a procura dela.
A segunda, era a vida do trabalho, onde a minha mente se voltava completamente para militância, que mais que consciência era a necessidade de dar uma direção digna para uma família que vivia entre dois mundos, e fora deles ao mesmo tempo, então, nunca consegui compartilhar dados da minha vida doméstica; portanto vida de casa era deixada em casa, como forma de precaução, para que eu pudesse dar conta das coisas, sem me ver emaranhada em dezenas de conselhos ou interferências, e depois não pudesse conduzir a vida sobre o fio da navalha que era conviver com a marginalidade, trabalhar com ela, e orientar os filhos para perceberem-se cidadãos apesar da vida fronteiriça em que vivíamos e vivemos até hoje.
Tive ou ainda tenho, não sei; amigos queridos, que sempre foram mantidos distantes, não que eu não os quisesse por perto, para dividir com eles o que gosto, o que ouço, o que leio, ou que amo, mas sempre a vida nos jogou para o futuro, para espera; sempre esperando o dia em poderíamos ser nós mesmos, sem o peso da prisão; que pesa irmãos, pesa pra cacete; e reunir-nos com os que amamos, mas antes os grilhões precisavam ser rompidos e ainda precisam; continuamos vivendo no vácuo do tempo, esperando o último carcereiro do sistema, abrir o cadeado definitivo que nos afasta do que somos.
A terceira, a vida de mulher de preso, mais uma vez tinha que dividir as forças, para suprir o equilíbrio doméstico e o dele, de ir semanalmente até a boca do inferno, ficar nua, ter a vagina espiada, a comida vasculhada, passar horas de fugaz esperança, em um pátio cheio de uma triste alegria pelo reencontro veloz, o relógio gigante a nos olhar, cronometrando o tempo da felicidade oferecida em doses homeopáticas, ou ficar encarcerada, na visita íntima, em um cubículo cinza, frio como os túmulos e ser regurgitada no final da tarde, com um sentimento de vazio, de impotência, de pesar.
Ali eu era visita, portanto a vida doméstica também era uma vida não multiplicada, não compartilhada, sempre fiz o movimento de ir até as pessoas, mas nunca o caminho contrário foi estimulado, era prudente que nos mantivéssemos o mais afastado possível de problemas que eu não pudesse resolver, e os quais poderiam nos desunir, em vez de criar uma resistência contra as intempéries.
A verdade é que é foda para uma mulher bipolar, criar três filhos, de um homem preso, sozinha, sem relações familiares de qualquer espécie, ser militante de direitos humanos numa área difícil; a prisão, e ser ao mesmo tempo esposa, mãe, e público-alvo do seu próprio trabalho.
Então as coisas não foram do jeito que eu gostaria, foi do jeito que deu; que a minha sanidade permitiu, se foi a melhor maneira de lidar com as elas?
Não sei, mas apesar de toda improbalidade, ainda nos amamos.
Namastê!
terça-feira, 15 de abril de 2008
FORAGIDOS
Blue rainy day
Upload feito originalmente por catmacbrid
Bom Dia!
Uma terça “porreta”!
Boa Leitura!
Olho para tela e dá um branco “OMO Total”, na janela pingos de chuva, o velho cigarro na mão e a vontade de beber um café bem quente...
Continuo matutando formas e sair dessa situação que estamos; levei quase dois anos me recusando a pensar, mas me dei trégua e estou tentando fazer as pazes com o mundo ou talvez comigo mesma.
Manter uma família equilibrada numa situação dessa é uma tarefa “do cacete”, quando você está procurando o próprio equilíbrio. Manter-se calma para criar um ambiente tranqüilo é um exercício diário de fé, temos filhos, precisamos manter a esperança no milagre; aquele que reúne, que reafirma, que reconforta.
Percorro lembranças, desarquivo da memória o que gosto para aliviar a opressão da espera.
Hoje; só Ana Cristina, Maysa e a chuva...
Deus na Antecâmara
"Mereço (merecemos, meretrizes)
perdão (perdoai-nos, patres conscripti)
socorro (correi, valei-nos, santos perdidos)
Eu quero me livrar desta poesia infecta
beijar mãos sem elos sem tinturas
consciências soltas pelos ventos
desatando o culto das antecedências
sem medo de dedos de dados de dúvidas
em prontidão sangüinária
(sangue e amor se aconchegando
hora atrás de hora)
Eu quero pensar ao apalpar
eu quero dizer ao conviver
eu quero partir ao repartir
filho
pai
e
fogo
DE-LI-BE-RA-DA-MEN-TE
abertos ao tudo inteiro
maiores que o todo nosso
em nós (com a gente) se dando
HOMEM: ACORDA!"
ANA CRISTINA CESAR
Há dias em que nos encontramos em cheiros, sons, palavras e que é preciso parar e ouvir, beber novos sabores e alimentar a alma.
Há dias em que é preciso aquietar-se, abstrair-se, encolher-se como um feto e aguardar silenciosamente a hora do parto.
Há dias em que é preciso sair de si em encontrar-se em outros, perceber–se através de espelhos transversos.
Há dias para aquietar a alma e ouvir as vozes que dizem ...espere!
Namastê!
segunda-feira, 14 de abril de 2008
FORAGIDOS
Oi!
Muita Luz para todos nós!
Não temos perspectivas a, curto prazo, então, só nos resta esperar, e nos fortalecer na esperança de que algo ainda vai acontecer, e nos tirar dessa espiral de coisas negativas. E eu fico a me perguntar até quando?
Sei que é difícil escrever o que sentimos, para mim é algo extremamente complicado, pois as emoções ou estão em estado de ebulição permanente ou de uma apática conformidade.
Fomos ao advogado estudar formas, de transforma essa “liberdade”, em liberdade legal. Enquanto isso; esperamos, como temos esperado, durante vinte e quatro anos, que possamos gozar dessa vida sem as amarras que nos prende.
Penso como tudo é tão relativo, um prefeito de Minas foi preso com um milhão em espécie proveniente da corrupção ativa; está solto junto com mais uma dezena de corruptos; enquanto tentamos conseguir viver de forma digna, depois dele já ter cumprido 39 (trinta e nove) anos de prisão, e ainda aos 65 anos ainda caminha tentando provar que é uma pessoa útil e digna de uma chance.
Chance para pobre? É ruim hem! O legal é roubar bastante, dar demonstração de poder através dos bens mostrados nas televisões, da vida abastada que cada um tem; isso corresponde a força que possuem, isso implica em poder e poder implica em votos e por aí vai...
Aqui é só uma história familiar, o que ultimamente não tem muito valor, mas mesmo assim ainda continuamos tentando, vamos ver no que dá; quem sabe o mesmo destino que me levou até ele naquela Ilha possa agora nos dar um crédito, por tantos anos de espera.
Logo os benefícios foram tendo resultado e os internos começaram ganhar a liberdade; foi uma boa leva deles para rua o que animou os mais arredios a se aproximarem da jurídica.
Na cadeia a palavra motivadora é LIBERDADE, tudo mais para o preso é um paliativo; só funciona o que trabalha nessa direção e tudo que esteja ligado à possibilidade do retorno ao convívio da rua. Quanto mais em uma unidade que estava se reformulando, a possibilidade de liberdade distencionava um pouco o ambiente; presídio sempre é um lugar imprevisível.
O nosso trabalho continuou durante o segundo semestre, o que nos deu possibilidade de nos aproximarmos mais dos internos e ganhar a sua confiança e com isso, confirmar os abusos e maus tratos que começamos a relatar; primeiro a administração local e depois a direção geral; a nossa convivência que no princípio era tranqüila com os guardas, ficou mais tensa.
Passamos a almoçar na cadeia, a comida dos presos, faziam um recortado; refaziam o que já estava feito para dar sabor a comida sem gosto.
Valéria cada dia mais se aproximava do seu admirador e os sentimentos pareciam sério, e começamos a conversar sobre o que estava acontecendo com ela. Não escondeu, estava realmente envolvida era sério, ia se afastar do DESIPE e voltar como visita dele; estava disposta a tentar viver aquela história.
Nessa época já nos queriam; tanto os guardas quanto a PM; nos ver pelas costas, a nossa intermediação do preso com diretamente com a administração não era apreciada pelos funcionários, se alguém apanhava e nós ficávamos sabendo a direção também ficava e alguém tinha que se explicar e isso foi minando as nossas relações, As freiras eram incansáveis, sempre cuidando daqueles homens, muitos sem famílias, doentes, fora à convivência com as injustiças, era bravas, trabalhavam bastante em uma unidade tão carente de tudo.
O Padre Bruno não morava na Vila, mas ia todo mês e passava uma semana resolvendo os problemas ligados a Pastoral, que funcionava na Catedral perto da Lapa e oferecia assistência jurídica e social aos presos e familiares e atendiam muitos internos e voltava com respostas jurídicas e encaminhamentos na área social. Eram distribuídos mantimentos para famílias mais pobres; roupas também, às vezes davam a passagem para a família poder visitar seu preso e faziam encaminhamento para certidão de nascimento, etc.
Tenho uma boa lembrança do trabalho da Pastoral; eram advogadas guerreiras e como nós, gostavam do que faziam; só com uma leve diferença; o nosso estágio era voluntário.
A Igreja Católica, apesar do Cardeal Dom Eugênio; que era capaz de comer aquela comida horrível do sistema e abençoá-la em dias de festa; fazia o seu trabalho movida pela força do Padre Bruno, que conseguia romper a indiferença do Cardeal, e inibir muita violência ou mesmo pressionar a apuração de outras tantas.
Os jovens pobres, pretos, presos, nunca tiveram o mesmo apoio, dos jovens presos políticos. A Igreja apesar de tudo fazia sua seleção!
Namastê!
domingo, 13 de abril de 2008
FORAGIDOS
13/04/08
Oi Companheiros!
Enquanto as idéias não pintam, que tal ouvir, 30 Seconds to Mars?
Boa Música!
É, hoje acordei com a pressão alta, nada produzi e só agora sento para escrever algo, mas estou feliz por ainda estamos vivos, apesar do aquecimento global, da violência desvairada, da desumanidade, da fome, do degredo de povos, da soberba de muitos, da indiferença dos jovens, da covardia dos pais, da falta de amor, da compensação financeira para curar a dor de não dar amor ou de não tê-lo, da geração que se forma sob uma competição inumana, ante o olhar abismado da outra que se “achava” a salvação do mundo; e apesar de tudo, ainda teimamos; alguns; em acreditar que “cuidar” do que amamos é o caminho mais curto para felicidade.
Amanhã torço para que as lembranças estejam tranqüilas e colaborem com a minha vontade de contá-las.
Tenham uma semana produtiva e alegre!
Namastê!
sábado, 12 de abril de 2008
FORAGIDOS
Olá!
Novidades?
Não ouvi nenhuma que colocasse o mundo em um rumo melhor; só a Fé; esse sentimento de inexplicável certeza, nos move!
Boa Leitura!
A luz do computador ilumina o quarto, escrever com todos dormindo é mais produtivo, fico mais concentrada e não sou dispersada pelo movimento normal do dia. Enquanto dormem, o meu peito se aquece em sabê-los bem, minha alma fica tranqüila, meu espírito se alegra.
Não tenho sonhos complicados, me satisfaço com o aconchego desse povo que me cerca e me enche de amor. Penso como a vida tem sido estranha conosco, e que como nos coloca a prova a cada momento; muitos conseguiram a chance da liberdade legal; nós sempre tentamos, mas só conseguimos conviver foragidos, buscando esperando...
Nunca tivemos problemas externos, como amantes ou a indiferença, temos uma vida sexual saudável e gostamos de estar juntos, temos filhos legais, mas nunca o horizonte que vemos a nossa frente, se aproxima o bastante para que possamos alcançá-lo; essa liberdade que vemos de longe nunca foi nossa; mas sabemos que a nós pertence mais que a luta que nos está sendo oferecida há muitos anos, e que construímos a despeito do tempo e da distância, um sentimento forte que se completa e se alegra em saber simples, possível e recíproco.
Apesar das grades, formamos uma família há vinte e quatro anos; tempo maior do que muitos que tiverem a chance de vivenciarem a liberdade em família, e que nunca percebeu a importância desse amor.
No cômpito geral acho que estamos em vantagem, agregamos valor ao que sentíamos e as dificuldades nos fortaleceu e nos fez atravessar todos esses anos com amizade e respeito.
Acendo mais um cigarro; preciso parar, mas isso é uma outra história; enquanto a carne se sobrepõe à razão; dou mais uma tragada e lembro...
Bloco Comunicação, verão de 1976, me acabei no carnaval, saí todos dias, fiquei com bolhas enormes nos pés, minha mãe falou muuuuito: - No ano que vem não vai mais. Fiquei uma semana de molho sem poder andar direito.
Por morarmos perto do mar, o melhor passeio era sempre em direção a ele; tomar banho ou somente “lagartixar” na areia até torrar, na praia do Bogari, ou ir passear na direção dos Tamarindeiros; depois da Igreja de Nossa Senhora da Penha, surgia uma espécie de praça repleta de tamarindeiros, tinha épocas que estavam carregados e era a alegria da garotada; eram tantos da dava para levar para casa e fazer doce. O lugar da praia sempre estava cheio, e por ter árvores era escolhido por famílias e crianças para passar o dia ali; tipo picnic; cheiro de peixe frito, se misturava ao de tamarindo, continuávamos em frente passando pelo terminal de ônibus, até altura da Lélis Piedade; a principal, onde entravam os ônibus que vinham do terminal. Se entrássemos nela, a primeira transversal à esquerda era a minha rua, mas seguindo em frente, vinha o cais das barcas, que levavam passageiros para Paripe ou Piripiri, no largo da Ribeira a sorveteria era parada obrigatória, depois voltávamos a passear pela balaustrada; passávamos pela rua do Fogo e logo depois da curva vinha a praça onde reinava na sua frente o edifício REX, na curva era o antigo apartamento do meu avô; pai do meu pai, Juiz de Direito, morou ali até morrer velhinho, o Conselheiro Manoel Mattos. Era um prédio de três andares, logo depois vinha à casa de Tio Adhemar, continuando chegávamos até a escadaria do Hidroporto e continuávamos passando em frente ao colégio Amado Bahia, um antigo sobrado da família Amado Bahia, que virou colégio; mais um pouco o Clube de Regatas Santa Cruz aparecia; no segundo andar rolava uma “boatezinha” no final de semana.
Nessa altura atravessávamos a rua e Gracinha entrava em casa, nós entrávamos na primeira rua, onde Iran morava; Rita que era sua vizinha morava mais à frente e também entrava em casa, quando chegávamos no cruzamento da Rua do Fogo com a nossa, Isis tomava a sua direção e ia para casa; Olga, Olgahide e eu, continuávamos em frente, elas entravam primeiro, moravam mais perto do final da rua, eu seguia em frente chegando de novo quase na Lélis Piedade e entrava em casa.
Todos os dias esse era o roteiro, quando não havia nenhuma festinha ou ensaio da banda na casa das irmãs Olga; dávamos a volta na ponta da península, jogando conversa fora e olhando a vida dos outros. Tempos de puro “dolce far niente”, dos jogos de “baleado” na rua aos domingos. Fechávamos a rua e o campo era marcado no chão com giz; as equipes eram montadas, sorteávamos os lados e jogávamos a tarde toda. O jogo era de habilidade e resistência, o time conseguisse se esquivar das boladas em quem ela pegasse era “baleado” e tinha que sair do jogo e assim ia até que a última adversária fosse atingida com a bola, quem sobrava, vencia; várias meninas participavam, vinham até de ruas mais distantes jogar conosco; os meninos adoravam!
Nessa época não havia tempo ruim, e tudo era possível; éramos jovens!
Lembranças agradáveis de um tempo gostoso, como o cheiro da moqueca de peixe que minha mãe fazia numa panela de barro; pedaços generosos de peixe; com a cabeça, ela adorava; colocava sal, cebola, quentro, pimentão, rodelas de tomate, leite de côco e algumas pimentas de cheiro, no final regava tudo com azeite de dendê! Divinal! Para acompanhar, arroz branco, pirão com caldo do peixe, e uma farofa feita de cebola frita no dendê com bananas cortadas em rodelas.
Na nossa rua havia um vizinho que junto com a esposa fazia uma doce de banana maravilhoso, vinha gente de longe comprar, era famoso o doce. O cheiro das bananas misturado com o açúcar durante o preparo até se tornar doce, tomava conta da rua; era de dar água na boca tanto quanto o de acarajé da baiana da esquina ou o aroma do caldo de sururu que vinha do bar que ficava depois da loja de ferragens virando a esquina de casa.
O gosto da Paella que as nossas vizinhas; descendentes de espanhóis; faziam e eu sempre ia filar, maravilhosa!
Outra coisa que me lembro era a freqüência que íamos aos terreiros de candomblé para comer caruru, a maioria não era do candomblé, mas tínhamos amigas que eram, e quando tinha festa:- Ôpa, vai ter caruru? Távamos dentro!
Me lembro de ter comido muuuuito caruru, adolescente adora uma boca livre e nós não éramos diferentes, alguns garotos também iam. Às vezes era aniversário de alguém, mas sempre rolava um caruru e quando digo caruru era caruru completo, com vatapá, farofa de dendê, banana frita, frango a cabidela e muita pimenta.
Gostos e aromas maravilhosos da minha juventude; saborosas lembranças!
Namastê.
sexta-feira, 11 de abril de 2008
FORAGIDOS
Olá!
Outro dia e o mundo ainda resiste, no fundo sou uma pessoa esperançosa!
Ouço Sade Adu...
Senti-los se movendo a minha volta, sorrindo, sabê-los meus companheiros de caminhada e nos amarmos, é tudo que meu coração precisava, minha alma se acalma em família, meu espírito os reconhece como minhas metades amadas, reencontradas nesse mundão de Deus.
O oficial era bonito, educado e elegante, falava bem e gostava de ouvir, e eu estava querendo falar; contei-lhe como sai de casa, como me afastei da família, as dificuldades de morar sozinha. Ele era um bom ouvinte, mas um tanto taciturno; tinha olhos verdes.
Não ficamos juntos muito tempo, mas foi alguém importante na minha vida, me ensinou ao seu modo que devemos ser responsáveis pelas nossas escolhas, que não dá para passar uma borracha na vida, que não dá para zerar o cronômetro, e que temos compromisso acima de tudo com o que escolhemos. Devo a ele esse aprendizado; honrar as escolhas que fiz e que faço.
Nos separamos, mas continuamos trabalhando juntos e a vida seguiu na Vila Dois Rios com os problemas de costume, violência, superlotação; o caldeirão estava sempre tenso.
Do lado de fora da penitenciária, um grupo de internos moravam em casas; eram colonos livres, tinham a permissão de ocupar casas enquanto cumpriam suas penas, alguns moravam na entrada da Vila, mas eram poucos, outros moravam perto da garagem e o restante no “favelão”, rua lateral da unidade, onde começava com casas de tijolos; antigamente a Ilha possuiu uma olaria; e no final; casas de estuque se continuássemos em frente chegarámos a cachoeira de água fria e limpinha, um paraíso.
O trabalho fazia esquecer me da paixão que não deu certo e com o coração vazio, mas frágil foi fácil perceber uma emoção boa que rondava, distante em minha volta.
Ele não se aproximava e quando o fazia era sério e sempre para encaminhar outro companheiro que precisava de ajuda, nunca pediu que víssemos seu processo apesar de não ter advogado, fiquei com o caso dele que não era nada fácil; uma ficha de término de pena toda em aberta, sem os esclarecimentos das varas e auditorias militares, foi um trabalhão colocar tudo em ordem, mas no final consegui esclarecer a sua situação jurídica, então o chamei. Ele chegou do mesmo jeito de sempre pisando macio, com olhar sério, mas tranqüilo, ele me olhava nos olhos enquanto eu explicava toda aquele emaranhado de processo e o que era possível ser feito dentro da nova Lei; ele não acreditava, sabia-se marcado pela sua postura de não aceitar as condições desumanas das cadeias e não acreditava ser beneficiado, eu perguntei se ele não confiava em mim: – Em você talvez, na justiça não.
Voltei a me apaixonar de novo!
Namastê!
quinta-feira, 10 de abril de 2008
FORAGIDOS
Bom Dia!
A casa está quieta, logo-logo Marina acorda para se arrumar para o trabalho, todos dormem, estou olhando para tela, ao fundo bem baixinho em outra janela da tela SADE canta; um cigarro entre os dedos, uma bala de hortelã na boca, no peito um sentimento de amor e de certeza de ter feito a escolha certa, apesar de toda luta.
Não queria para mim uma liberdade vigiada, uma liberdade “bancada”, não é liberdade; minha tia sabia quem ia à casa do Sergio, se dormiam lá, quando saía, que horas ele voltava e com quem; não queria esse tipo de controle em troca de morar “sozinha” na rua seguinte a de casa. Podia ter aceitado mas, o que eu queria era caminhar, construir uma história nova e isso me custou muito, mas valeu, me deu experiências, alegrias e uma família legal; então a troca foi satisfatória.
Trabalhar na Ilha era ao mesmo tempo mágico e estafante; era uma unidade pobre e os tempos eram violentos; de vez em quando um preso escalava, pulava o muro e corria para mata, em zigue zague para fugir dos tiros das metralhadoras das guaritas; trabalhar assim é “meio” estressante.
Nessa época um primo meu era ministro do governo Sarney e um outro era secretário de cultura do estado e eu passeando pelas cadeias da vida; não sabia como a família encarava isso porque, nunca mais voltei ou procurei, mas até aí eu era só uma moça rebelde que queria conhecer o mundo e que logo voltaria. Mas voltar nunca esteve nos meus planos; nunca voltei para nenhum lugar de onde saí, me tornei nômade; ora aqui ora ali, mas sempre sendo dona e responsável pelos meus atos.
O trabalho na Ilha ia bem, já sabíamos quem tínhamos que atender; outros já eram acompanhados pela jurídica da Pastoral Penal, ou por núcleos de assistência gratuita de algumas universidades e outros tinham advogados particulares; nós trabalhávamos para os que não tinham assistência nenhuma.
Foram meses interessantes, depois do trabalho, sempre tinha um bate papo na cozinha da casa do diretor, que dava para o gramado lateral, ou às vezes ou guardas armavam pescarias de madrugada e vinha muito peixe, ou havia festas nas suas casas com musica e bate-papo e entre isso tentativas de fuga, porrada dos guardas, brigas internas no coletivo um emaranhado de coisas aconteciam no mesmo dia.
Passávamos quinze dias na Ilha e quinze no continente colocando em dia a vida jurídica dos nossos internos, fazendo ofícios e os encaminhando, esclarecendo situações em varas criminais e em cartórios de delegacias, fazendo e dando entrada em pedidos de livramento condicional, progressão de regime, indulto, comutação, visita periódica ao lar(VPL) e pedidos de alvarás de soltura.
Nessa época, estagiária fazia de tudo na Ilha, o departamento social também não funcionava, e lá íamos nós atrás das famílias para registro de criança, levantamento de endereço para instrução de pedido de VPL, pois nem todas as famílias iam a visita ou melhor; poucos recebiam visitas então era preciso procurar os parentes para conseguir algum documento necessário, para instrução de algum pedido ou esclarecimento de outros.
Nessa época Valéria começou a se aproximar de um interno, e mais que se aproximar se apaixonou por ele e começou a pensar em que escolha fazer; ele ou o trabalho. Eu pelo meu lado apesar de ter sentido uma emoção prazerosa de reconhecimento, ainda não entendia aquilo como real, nessa época tive um envolvimento passageiro com um oficial da PM, algo que para mim era estranho, pois a farda sempre me sugeriu repressão, mas me apaixonei mesmo assim, mas nos encontramos em uma época que não era mais nossa, não era a nossa história que eu deveria estar contando e sim essa; estranho, acabei me apaixonando por dois homens completamente diferentes e de lados opostos então, o destino que ainda continuava sentado sobre as montanhas da Ilha observando me levou em direção da segunda emoção.
Namastê.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
FORAGIDOS
Fecho os olhos e vejo meu pai, um homem alto, magro, sorridente, um par de óculos no nariz, cigarro entre os dedos, ou o cachimbo no canto da boca.
Meu amigo, meu amor!
Hoje estou seca, nada sai, as palavras não se encaixam, vou e volto e nada acontece; sinto me invadida pelo vazio.
Então transcrevo algo que escrevi há um tempo atrás.
Boa Leitura!
Reflexões para um Guerrilheiro Urbano
Viver companheiro, é uma grande e bela viagem, na qual aprendemos a cada dia um pouco mais sobre o mundo e nós mesmos.
Ninguém foge ao seu próprio destino e a felicidade começa dentro de nós quando nos permitimos sentir prazer em sermos o que somos a despeito da companhia ou da solidão.
Tenho um compromisso perpétuo com a felicidade, o amor conduz a minha vida; aprendi a me alegrar mesmo na infelicidade momentânea, na falta da pessoa amada, na busca árdua de realizações pessoais, através das noites cruéis, que nos permite ver o quanto estamos sós, da espera que às vezes parece milenar, mas o amor que me conduz e que me permite exercitar a esperança, me move a cada dia em direção daquilo que sou e me alegro em perceber que tudo começa e termina dentro do meu peito, com a opção íntima de ser feliz.
Somos seres “buscantes”, você, guerrilheiro urbano, sonhador contumaz, gladiador do novo milênio, ser irrequieto na busca constante de garantias de dignidade para a vida humana, por isso é um ser especial, costuma se dar aos “todos” mais do que a si mesmo e isso o faz grande.
Eu, ser rebelde, nômade de natureza, avessa a controle, sonhadora de sonhos possíveis e impossíveis, busco me tornar inteira.
Temos inoculado em nossas veias o vírus da Fé, da esperança, da transformação, do movimento constante, da alegria; mesmo que homeopática, dos sonhos; mesmo que picotados mas, o amor sempre nos sinaliza o caminho.
Você guerrilheiro urbano, que faz a revolução em seu peito e que a transforma em ação, alegre-se com essa missão ímpar de ser alguém transformador e a vida se encarregará de tornar o seu coração tranqüilo.
Enquanto eu, ‘Helena, vou continuando a tecer o fio e a desfazê-lo, enquanto espero o meu ‘Rei’ voltar da batalha.
A Vitória apesar de tudo sempre será nossa!
terça-feira, 8 de abril de 2008
FORAGIDOS
Mais uma manhã no planeta terra, mais um dia de esperança no que ainda há de bom, na percepção do homem da sua perenidade, da sua fragilidade, da sua humanidade.
Que o dia seja dourado como as folhas de outono e a vida, sempre um tapete colorido e macio, nem que seja nos nossos sonhos!
Boa Leitura!
Queria estar andando por entre folhas douradas do outono, estabelecendo contato com o belo, com o simples, o natural.
Reconheço que existem milhões de pessoas com problemas centenas de vezes maiores dos que os nossos, mas os nossos estão mais perto e os vemos com potentes lentes de aumento.
A vida tem uma forma às vezes irônica de nos ensinar a caminhar; eu que busquei a liberdade cedo, que troquei a segurança e o dinheiro por me sentir cerceada, tive que aprender que a liberdade não é só um estado físico; ela vai além; está no direito a ser pessoa, de ser cidadãos, de confraternizar com os que amamos e se sentir feliz em ouvir a chave da porta de casa girando quando o último dos filhos chega em casa, de se sentir amada. Estou aprendendo nesse tempo que os conceitos de liberdade são amplos e amar é um deles.
Me sinto feliz por amar, por vivenciar essa troca de sentimentos simples e definitivos, por ter encontrado um parceiro, um amigo, um companheiro leal, um pai amoroso, um ser humano; como eu; em construção, se permitindo a aprender com os próprios erros, forte, esperançoso e com uma inenarrável fé na vida.
O amor foi o presente mais acolhedor que a vida me deu, e com ele uma porção de tarefas e testes, para que aprendesse que amor não é só uma palavra; é um conjunto de ações, sentimentos, emoções, todas positivas, prenhes de prazer, de satisfação e de eternidade.
Construir uma vida com amor entre a cadeia e a fuga é um milagre, não entendo bem como ainda estamos aqui resistindo, vendo as ‘crianças’ crescerem, pois sempre serão nossas crianças, ‘pedaços adorados de nós’; juntos, caminhando para as bodas de prata com a mesma certeza do primeiro dia.
O conheci em 1984, no dia do festival, em uma reunião no ‘Anexo”, e enquanto aquele homem falava com o Padre sobre os problemas que estavam acontecendo na unidade, dele emanava uma força vital, quase palpável, um orgulho saudável de ser gente e querer tratado como tal. Era simples, falava olhando nos olhos, tinha olhos pequenos, mas um olhar gigante; que nos penetrava e nos avaliava; não sorria, se portava de forma fria, distante, mas atento ao que estávamos falando e mais atento ainda à como estávamos ouvindo o ele falava.
A reunião pelo que pude perceber estava sendo no seu cubículo (cela), era um lugar espartanamente limpo; sem nada nas paredes, catre arrumado, livros do lado, um par de óculos; calçava sandálias, era simples.
Era como se eu tivesse reencontrado alguém que eu conhecia há milênios; um parceiro antigo, um sentimento de conforto, de não estar mais só, um calor acolhedor; amigo.
No mesmo instante o meu coração sentiu ‘queira envelhecer com ele’; foi uma emoção rápida e me deixou confusa, era a primeira vez que eu via aquele homem e em uma situação das mais complicadas, mas sentia que conhecia aquele cara de algum lugar, era um reconhecimento, um dejavú.
Falava comigo me olhando nos olhos e eu já tinha falado com aqueles olhos; o corpo era diferente, a embalagem era outra, era estranha a minha memória emocional, mas os olhos, o cheiro, a forma de falar.
Caraça! Encontrei a minha cara metade no lugar mais filho da puta; o caldeirão do diabo.
Depois daquela conversa voltei para a casa da direção confusa; parecia um chamado, vir a um festival naquele lugar distante e perceber essa emoção em alguém tão cheio de problemas.
Sabia que queria trabalhar ali, o destino tinha marcado encontro comigo naquela ilha para me apresentar ao meu parceiro de viagem e estava sentado sob as montanhas observando se eu teria “culhão” de tomá-lo pela mão e seguir o nosso caminho. E o que fazer quando você reencontra a metade da tua alma andando por terrenos tão minados?
Não falei nada para Valéria, a princípio era só uma emoção e às vezes o nosso ‘dial’ não está bem sintonizado, mas uma coisa estava clara, ali era o lugar para trabalhar.
Voltando para o continente, já na barca, enquanto o Abraão se distanciava, havia em mim a certeza que minha vida ia mudar de alguma forma.
Namastê!
segunda-feira, 7 de abril de 2008
FORAGIDOS
Oi Amigos!
Há dias maravilhosos, para se ler um livro, tomar uma sopa e um chá verde quentinho; hoje é um deles!
A chuva não para de cair; ora leve, quase um chuvisco, ora forte e com vento; chegou uma frente fria, o sol não terá menor chance.
Que dia é hoje? Não importa, posso ser atemporal através das palavras, avançar e retroceder nas histórias; aqui sou dona do meu próprio tempo...
Sinto-me renovada garimpando fatos antigos e sentimentos guardados, nesses vôos da memória revejo lugares, pessoas, percebo cheiros, sons e posso me transportar para momentos específicos.
Hoje achei uma foto do “Casarão” na Internet; me bateu uma emoção gostosamente esquecida; ver lugares que foram fundamentais para as escolhas que fiz na vida, me serviu de aconchego.
E o tempo voa; minha filha fez vinte e dois anos; é uma pessoa tranqüila, zen, e muito especial para mim, mais do que filha é minha amiga, e muitas vezes minha mãe. Ela é meu norte, parece comigo, tem uma natureza tímida, é boa; meio punk como eu, vive entre a seriedade do trabalho e do estudo e a jovem boemia dos finais de semana; acabou de tatuar nas costas uma flor de Liz, tem um gênio bom e é ‘decidida’ como a mãe. Desejo-lhe toda a sorte de maravilhas do mundo, que ela possa como eu, ter direito de escolha em mundo tão cerceador, que estude para ser aquilo que almeja, que sempre escolha o homem com quem deite; aprenda a amar sem medo, e acima de tudo seja feliz!
Acendo um cigarro e lembro...
Trabalhar não me afastava dos questionamentos internos, dos medos; mascarava-os; escondia-os, mas estavam lá me espreitando: ‘Como será minha vida?’ ‘Será que vou viver sempre pelas vagas e quartos vida afora?’ ‘O que me espera?’ E como não tinha resposta para nenhuma daquelas perguntas que me deixava frágil e insegura; enfiava a cara no trabalho.
Dividimos irmamente o trabalho; mais ou menos seiscentos internos para cada uma e começamos a fazer um a organização na papelada. Separamos as anotações por Varas Criminais e o primeiro passo era fazer um levantamento na jurídica da Senador Dantas, localizar as fichas de término de pena; se fosse pequena copiávamos, se grande tirávamos xerox; cruzávamos as informação com os prontuários e depois íamos para o fórum já sabendo por onde começar.
Perguntem a qualquer estagiário como é o trabalho no fórum; de vara em vara, um sobe e desce de andares, disputando informação; hoje o trabalho está simplificado, informatizado; antes era pedreira; a nossa facilidade era podermos entrar nas dependências do cartório, por sermos estagiárias do estado. Tempo bom de muita poeira, de pilhas e pilhas de processos, “de abrir o fórum”; quando chegávamos às dez horas da manhã, pela garagem, para trabalhar na Vara de Execuções - VEP; antes, de o cartório ser aberto; e tudo virar um caos; e “de fechar o fórum”; quando saíamos tarde da noite, cheias de papéis e uma alegria que só a juventude é capaz de ter depois de horas e horas em pé.
Pirmeiro passo na VEP, era saber se o processo tinha alguma dependência; outro(s), processos em andamento; ir as respectivas varas se houver dependência e esclarecê-las, anotar na ‘xerox’ da ficha de término de pena da jurídica e pedir o carimbo e a rubrica do funcionário que prestou as informações; depois com a informação oficiávamos a vara de origem para ela enviar esses dados para VEP, para que ela tomasse ciência da situação jurídica do condenado e o processo pudesse ir ao cálculo. Só com o cálculo de pena homologado pelo Juiz era que o processo começava a andar e podíamos pleitear benefícios; processo sem dependência, nem cálculo é processo parado.
O trabalho requeria estratégia; as fichas dos presos eram selecionadas por varas, depois, localizávamos o corredores e o andar, dos respectivas cartórios; e então ‘caíamos matando’ nos corredores; uma para cada lado, e tome esclarecimentos, assinaturas, carimbos; trabalho pra caralho; no final do dia; pernas doídas; nos reencontrávamos na Execuções; às vezes íamos para casa, outras para a Senador Dantas e saíamos noite alta, colocando as informações em ordem, alimentando os prontuários e as fichas com as informações colhidas.
Não havia tempo sequer para ir a cabelereira ou na manicura; antes, quando morava com os meus tios e fazia estágio na área civil; ia para fórum arrumada; saia, blusa, scarpans salto sete, e meia-calça; tempo de atividade menos cansativa; agora era calça jeans, blusão, e o velho Allstar, para suportar subir nas estantes atrás de processos e facilitar as andanças pelo fórum.
Não foi fácil esclarecer aquele monte de situação jurídica, levamos mais tempo do que prevíamos; e duas semanas de ralação depois; conseguimos ter a situação jurídica de quase todos internos, poucos ficaram sem respostas, eram processos aguardando algum esclarecimento.
Com o diagnóstico feito ficamos sabendo quantos tinham direito, a condicional, a comutação, ao regime semi-aberto, etc. os casos de alvará de soltura tinham prioridade e já tinham sido providenciados; agora era chamar um por um explicar os seus direitos; face, a nova lei. Primeiro levantamento ver quem era o preso, quais realmente podíamos atender e orientar aos que tivessem advogados a procurá-los.
Nunca tínhamos trabalhado tanto, mais começamos a colocar a jurídica no lugar; Milton também não se deu trégua, arregaçou as mangas e caiu dentro; ele descia uma vez por semana ao continente e agilizava os benefícios; nós que ficávamos sem descer duas ou três semanas, organizávamos os arquivos, atualizava as fichas de atendimento, fazíamos pedidos de benefícios; esse ritmo durou uns dois meses até que conseguimos normalizar os atendimentos.
O estagiário quando entrava no sistema; durante o treinamento, era orientado a se portar com o preso de forma distante e respeitosa: - Nada de pena, ali não há santos; simplesmente faça o seu trabalho. Mas nós não éramos assim, víamos pessoas; e sempre achamos que educação, trabalho e respeito transformariam o sistema penitenciário.
Continuo achando.
Nanastê!
domingo, 6 de abril de 2008
FORAGIDOS
(Foto Philippe Sainte-Laudy)
06/04/08
Olá Companheiros!
Não sei como vai o dia de vocês, mas o meu está azul e de onde estou, posso ver o horizonte e sentir a tranquilidade do mar que há em mim!
Que todos nesse domingo possam navegar sem medos pelos seus próprios oceanos!!!
Acendo um cigarro e penso como a vida passa rápido, e tudo acaba sendo um grande apanhado de lembranças, ora engraçadas ora sofridas, mas uma herança intransferível, herança de emoções sentidas, beijos dados, sofrimentos dramáticos, momentos cômicos; memórias que só o tempo consegue conosco dividi-las!
A Pastoral Penal, possuía uma casa na Vila, nela moram três freiras, Irmã Maria Rosa, pequena e meiga, olhos doces e bondosos, voz mansa, moça muito bonita; outra era mais séria e que parecia enfezada, chamava-se Irmã Francisca, era nordestina, dura, forte, mas também com um coração bom e a última; alta e grande, chamava Irmã Maria Emília, a palavra com que a defino é; acolhedora; era forte como uma árvore e meiga. Elas possuíam um jeep toyota, que era dirigido por um interno, cuidavam do ambulatório e serviam como enfermeiras, e de tudo um pouco.Ficaram felizes, quando descemos do ônibus na porta delas, cheias de mochilas e falamos:
- Viemos trabalhar!
Irmã Maria Emília: – Eu sabia que vocês iam voltar.Trocamos um dedo de prosa e, prometemos voltar com mais calma para conversarmos e saber como podíamos ajudar e ser ajudadas por elas, logo depois chegou um guarda, deu uma força com as bagagens e nos levou para um imóvel perto da praia; usado para acomodar os visitantes; chamava-se “casa de visitas”, ali tomaríamos banho e dormiríamos, ficava na rua lateral da casa do diretor; a cozinha dali estava desativada e as refeições seriam feitas na casa em frente.Desfizemos as bagagens, tomamos banho; e começamos a separar o material de trabalho que usaríamos no dia seguinte, e fomos descansar um pouco.
A viagem até ali era uma aventura que começava de madrugada; acordávamos às duas horas, e cada uma ia da sua casa para rodoviária; mochilas e pastas, depois de "pastar" esperando ônibus na madruga, chegávamos às quatro e meia, mais ou menos na rodoviária, pois, o nosso ônibus (EVAL) saía às 05:00hs, para Mangaratiba; esse era o último horário possível de pegá-lo sem que perdêssemos a barca que saia às 09:00 h. em ponto, do cais de Mangaratiba rumo ao Abraão.
Do Abraão éramos levadas ao outro lado da ilha, de caminhão da unidade ou no da PM; depois de uma hora e vinte sacolejando na estrada terra, chegávamos à Vila dois Rios; mortas.
Apesar de ser uma viagem agradável; era cansativa; dormimos o resto da tarde, até que a fome nos acordou e saímos para ver como seria aquela história de comer na casa do vizinho.
O "Casarão"; assim era chamada a casa, que ficava no centro de um terreno, com jardins na frente e nas laterais, possuía janelas em todos os cômodos e de quase todos eles se via o mar; ocupava o quarteirão e possuía dois andares; uma construção sólida; bela.
A iluminação da rua era fraca, e espaçada, o que dava ao lugar um ar de filme noir; Humphrey Bogart, Ingrid Bergman; um quê de ilha do caribe na década de quarenta, de o mar batia há alguns metros a frete e as ondas cantavam orgulhosamente; um paraíso; morará ali pro resto da vida! Ah, o que não pensamos quando temos vinte anos, e possuímos todo o tempo do mundo...
Chegamos no portão e logo nos viram, estavam no quintal; Milton, o comandante da companhia, o diretor, o sargento; todos conversando e esperando o jantar: - Não quisemos atrapalhar o descanso de vocês, mas venham sentem, como foi a viagem? Corajosas, hem? Deixarem o conforto do ar condicionado para alimentar os mosquitos da Ilha; parabéns! Falou o Comandante.
Milton perguntou como estávamos e se havíamos descansado; ele possuía uma casa no Abraão; pequena; ficava no final de uma rua, já quase dentro da mata; as janelas do quarto e da sala de jantar davam para um riacho atrás da casa; um som divino de água correndo, e um cheiro poderoso de natureza; fazia da casinha um lugar maravilhoso. Mas como ele não queria ficar sacolejando todo dia subindo e descendo a serra, dormia na Vila na casa da direção.
Logo o jantar foi servido, e então percebemos, o quanto estava, com fome; conversamos um pouco sobre o sistema, justiça, democracia; eu estava lendo “Arquipélago Gulag” de Soljenitsin; ele achou estranho me interessar por política e história; e o mais estranho; ler. Achava, que por mais que os jovens fossem ávidos por de conhecimento, na minha idade ele esperava que eu lesse algo diferente e a conversa continuou noite adentro e quando percebemos; Dois Rios dormia!
Valéria e eu, precisávamos dar um ‘tchibum’, entrar naquele marzão para lavar a alma; a Vila era paradisíaca e nunca acordamos tão cedo, fomos ver o sol nascer, ver o mar na luz primeira da manhã, perceber o lugar, absorver um pouco da sua energia, apresentar-nos à natureza e pedir-lhe permissão, para pisar nas suas areias, respirar seu ar, e maravilhar-nos com a sua beleza, e nos inspirar para fazer um trabalho legal!
Tinha trabalho que não acabava mais, precisaríamos checar cada situação jurídica, ver quem tinha pedido de benefício em andamento, quem estava com alvará prejudicado e porquê, quem dependia de laudos médico e social, quem tinha direito ao que aos olhos da nova lei.
Mil e duzentos internos; fichas que não acabavam mais; computador era artigo de luxo; ali não tinha; tudo era papel. A jurídica era a primeira porta do lado direito de quem entrava na unidade; possuía janelas que dava para o pátio da frente; não era grande; tinha mesas e cadeiras; arquivos antigos e uma máquina de escrever; seria pedreira! Ali trabalhavam dois internos; um muito magro de barba, com cara de rato e olhos espertos, falante e inteligente é quem fazias alguns pedidos de benefícios para os companheiros, na ausência dos advogados do sistema, mas tinha um quê de escorregadio.
O outro era moreno e forte, alto e com cara de mau, mas era uma criatura educada, quase tímida; gostavam de trabalhar ali e entendiam de execução penal; seriam de grande ajuda para botar aquilo para funcionar.
Fomos para passar uma semana; ouvimos todos os internos que chegaram até a jurídica e chamamos outros, para esclarecimento necessários; nome, rg, filiação, se tinham ou não advogados particulares, e duas semanas e meia, depois chegamos ao continente com todo o levantamento feito e uma porrada de coisa para dar andamento.
Namastê!
sábado, 5 de abril de 2008
FORAGIDOS
Oi Companheiros!
O dia amanheceu chuvoso; gosto dos dias gris; são menos abafados, respiro e penso melhor; são dias acolhedores, aconchegantes, produtivos. Gosto das manhãs; são calmas, trazem ainda um pouco a tranqüilidade da noite, poucos carros, o vai e vem crescendo lentamente. Ouço os primeiros movimentos dos vizinhos, sinto cheiro de café, um bem-te-vi canta, é inspirador ouvi-lo. Eu continuo na minha gaiola tentando achar um jeito de sair desse labirinto, de voltar a viver com esperança, de causar menos danos aos que amo, de criar formas de continuar permitindo que os meus filhos não sejam triturados pelas escolhas que não foram suas.
Sinto-me calma, apesar da lâmina sob as nossas cabeças, apesar da sensação persecutória que às vezes me invade e me prostra, já não acordo com dores no corpo, escrever faz me sentir satisfeita, e ver as idéias que estavam soltas transformarem-se pouco a pouco, em algo concreto, animam meu espírito. Fico pensando como encaixar tudo que sinto, na tela à minha frente, como contar essa história de forma que desperte interesse, como me encontrar e me permitir não ter medo de ter ousado amar. Seria fácil se eu tivesse desistido, se tivesse virado às costas, se tivesse lhe apontado o dedo publicamente, descolar-me do problema abandonando-o; daria uma lição de moral pública e seguiria meu rumo; mas é impossível, SOMOS UMA FAMÍLIA; e isso não é passível de mudança; nos amamos; todos nós! Não me arrependo das escolhas que fiz, foram ela que me levaram à família que tenho e só isso já vale toda caminhada.
A UFRJ corria em paralelo, mas com menos interesse do que antigamente, à vida real, e direito praticado diariamente, estava mais interessantes do que as teorias da academia. Não fiz política estudantil; quando entrei na faculdade estava saindo, das minhas lágrimas e não me interessei, admito; depois os direitos humanos; virou minha política. Vivia tentando conciliar a faculdade e o volume de trabalho que tinha, fazíamos fórum todos os dias; éramos uma dupla, eu e Valéria dividíamos o trabalho e acompanhávamos vários processos e mesmo não trabalhando mais nas unidades continuávamos a dar andamento; agora através do gabinete. O ali era monótono, nos cartórios não diminuiu, o volume do nosso trabalho, alias agregou.
Naquela época eu ainda estava sozinha, tinha tido um rápido envolvimento com um colega de faculdade; era um dentista e fazia direito à noite, estatura mediana; moreno, andava de branco por causa do trabalho, era vaidoso e trepava mal; não deu certo. Ele era mimado; um tanto narcisista, e ficou sem entender nada quando levou um fora. Nunca fui uma mulher quantitativa, mas qualitativa; boas trepadas, poucos parceiros.
Quando chegamos da viagem, conversamos e concluímos, que o tempo de gabinete tinha acabado, sabíamos que era uma posição de destaque estagiar ali, provavelmente um caminho para fazer carreira no próprio sistema; as pessoas eram boas, mas o lugar, monótono, sem vida; a Ilha nos oferecia trabalho pesado, adrenalina, mas em compensação; o mar, o verde, as flores; um mundo novo; poderíamos passar uma semana lá e ficar quinze dias no continente dando andamento aos processos; teríamos tempo de fazer um levantamento completo da situação jurídica dos preso, e fazer um diagnóstico de quem aos olhos da nova lei, tinha ou não direitos!
Nesse mesmo dia conversamos com Dr. Avelino, agradecemos a confiança e o respeito oferecidos por ele, mas queríamos realmente trabalhar, ver gente, exercitar um direito pró-ativo, interferir positivamente; explicamos que com a abertura do muro, os problemas que, de alguma forma pudessem surgir seriam minimizados com um levantamento apurado da situação e seria abertas vagas se em conjunto com a Vara de Execução Penal pudéssemos agilizar a situação; ele a princípio ele achou que estávamos abrindo mão de um trabalho bom, por um trabalho difícil e em um lugar pesado, uma cadeia difícil, mas nos deu carta branca para trabalhar, era também necessário colocar a situação da jurídica em dia; e só mesmo duas malucas como nós, seguiria o Milton para trabalhar de graça lá na Ilha Grande mas continuamos lotadas no gabinete, cedidas à unidade, Cândido Mendes.
Namastê!
sexta-feira, 4 de abril de 2008
FORAGIDOS
Olá amigos!
O Major era um diretor diferente, uma pessoa esclarecida, apesar de se esforçar para parecer sério, era legal, inteligente, mas angustiado, e sentia fortes dores de cabeça. Falava de forma calma, e em um tom médio, era discreto apesar de ter um porte elegante. Era diferente de outros oficiais que tinha eu conhecido antes, culto, gostava de ler e atento às movimentações do mundo, tinha uma visão mais ampla que as unidades prisionais.
Ele nos falou, das dificuldades de uma penitenciária tão afastada do continente e que com a Lei Execuções em vigor, a jurídica da casa era prioritária para desafogar a unidade e dar um pouco de alívio a panela de pressão que tinha se instaurado. Ele era um administrador, previa situações e parecia querer colocar aquele lugar em condições melhores. Parecia honrado, gostei dele.
Retornamos a unidade e o evento entrou pela noite, já era hora de jantar e nós fomos descançar, enquanto a festa seguia entre presos e familiares. No dia seguinte, com o ambiente um pouco mais calmo, as autoridades já haviam regressado para o continente e pudemos percorrer as dependências administrativas da unidade; jurídica, serviço social, segurança, gabinete da direção, etc, e também fomos conhecer a companhia da PM; o Comandante, um homem educado, perspicaz, tinha também humor, nos mostrou todas as dependências, depois voltamos ao presídio para conversar com os presos.
Quando chegamos fomos encaminhados ao anexo, lá esta havendo uma reunião com os presos e o Padre Bruno Trombeta, que era o representante da pastoral penal, eles estavam tentando resolver o problema do isolamento do grupo. Era um cubículo pequeno, com um beliche; lá muitos homens; quando chegamos alguns tiveram que sair para entrarmos, os presos nos relataram com mais detalhes o que estava acontecendo e queriam que levássemos um documento para o diretor geral; entre eles havia um que pareia um padre, era falante e sério, nos olhava com desconfiança, era calvo, usava sandálias de dedo, era nordestino, aparência não enganava. Ele conversou conosco sobre a necessidade de integração daquela população, da disposição de assumirem os riscos de retornarem ao coletivo de presos, da importância do documento; que a cadeia era pobre, distante do continente e superlotada e que precisavam de ajuda. Fiquei encantada com a capacidade de raciocínio e da consciência coletiva daquele homem e principalmente da sua simplicidade.
O domingo chegou e fizemos o caminho de volta; aquele maravilhoso caminho, cheio de curvas e flores, sentindo o cheiro do mato e com a certeza que viria trabalhar ali.
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Não foi fácil fazer a opção pela liberdade; ela implicava em pobreza; o dinheiro do meu pai que antes era só uma mesada, passou a ser o meu sustento, era uma coisa meio louca; enquanto eu procurava me adaptar a nova vida; pagava para trabalhar. Como o estágio era voluntário, arcávamos com as despesas de transporte, lanche e pequenas despesas como, cigarros, café, água; quando estávamos fazendo trabalho de fórum; era uma vida complicada, mas quando se é jovem, isso passa batido e lá íamos nós; ela vinha do Lins, eu do Andaraí e nos encontrávamos na Leopoldina, de lá; Bangu; nessa época já não havia mais carona; e as despesas eram nossas; no outro dia Galpão da Quinta, São Cristóvão, e ói nós; era legal, mas caro; me alimentava nas unidades, para economizar, mas por outro lado paguei com minha dedicação ao trabalho toda essa economia. Por isso no princípio, quando fomos chamadas para o gabinete, pensei que as coisas ficariam mais fáceis; um só lugar, um custo definido de passagens; a alimentação eu veria depois.
No décimo primeiro, ficavam as salas dos assistentes jurídicos, os banheiros, e uma pequena cozinha. Eram eles quem liberava pelo DESIPE, os alvarás de soltura. Analisavam os prontuários; dossêis administrativos, onde constava toda a vida dos presos e suas movimentações; relatórios médicos, sociais, psicológicos, psiquiátricos, além de apresentações aos juízes e transferências; tudo documentado; e após o parecer, eram encaminhados à unidade para ciência do interno. No décimo segundo funcionava o coração da jurídica, muitos arquivos, caixas, computadores lentíssimos e que só poucos podiam usar; mesas, cadeiras e papel, papel, papel.
Na jurídica mandava Seu Santos, um guarda antigo, ‘fera’ em execução penal, era profissional de primeira linha, não interessava o ”nome” do preso, ou o “que” ele fez; era técnico: - Simone, não interessa saber quem é o preso; não somos juízes, precisamos saber se ele pode ou não sair, se tiver situação jurídica definida tá na rua, se ainda tiver processo pendente; não sai, e ponto.
Foi meu professor; com ele aprendi a ver o preso com olhos profissionais, sem paixões, mas com justiça. Trabalhava muito, se debruçava sobre aqueles prontuários enormes e podia localizar documentos com facilidade, detectava erros de cálculo e oficiava ao juiz, e não gostava de trabalho acumulado: - Se o assistente liberou, o preso tem que sair!
Ele não era corrupto aliás, aqueles tempos eram menos gananciosos, a corrupção não era tão ‘escrachada’, e poucos participavam. Era paciente; cabelos brancos e calvos; tranqüilo; sabia tudo, e até os assistentes jurídicos dependiam dele para destrinchar as situações mais complicadas; quem trabalhou com ele; aprendeu muito!
A vida ali era monótona, apesar da movimentação constante; já que respondia pelo grosso da parte burocrática; era um lugar de pessoas triste; alguns estavam para se aposentar e os mais novos; apáticos, com a rotina tediosa; era como se não houvesse mais o que desejar; havia casos de alcoolismo; era um trabalho que não oferecia perspectivas, não havia um plano de carreira, não havia estímulo da parte do Estado, não queriam trabalhar nos presídios e acabavam submersos nas montanhas de ofícios. Era um ‘outro’ DESIPE diferente do das unidades; na cadeia o bicho pegava.
Uma das coisas que logo percebi quando cheguei no sistema, era que havia dois DESIPES – Departamento do Sistema Penitenciário; visivelmente distintos; o da tranca e o dos gabinetes; cada um com a sua forma de lidar com o preso, mas interagiam desordenadamente; quem era da área técnica e trabalhava fora das unidades, não tinha a mesma visão de quem estava nas prisões; “trabalhar na tranca”; era tarefa muito estressante; pressão pura; um trabalho que tinha a segurança como linha central; o que desenvolvia no funcionário uma forma dura e bruta em lidar com o preso e uma visão fatalista sobre ele; claro que não era todos, mas quem ficava muitos anos nesse trabalho; acabava embrutecido. Já o corpo técnico, a parte burocrática, tinha uma visão formal, menos emocional, e como não sofriam as pressões do dia a dia da unidade, podia ver o preso de um patamar menos rancoroso.
Namastê!