sábado, 5 de abril de 2008

FORAGIDOS

(Foto Nylongbow)
Oi Companheiros!
Mais um dia em que somos agraciados com a possibilidade de estarmos vivos, e de podermos perceber a beleza e a simplicidade das pequenas coisas, pois é aí que reside os mistérios do universo!
Um bom dia para ouvir Billie Holiday!
Boa Leitura!



O dia amanheceu chuvoso; gosto dos dias gris; são menos abafados, respiro e penso melhor; são dias acolhedores, aconchegantes, produtivos. Gosto das manhãs; são calmas, trazem ainda um pouco a tranqüilidade da noite, poucos carros, o vai e vem crescendo lentamente. Ouço os primeiros movimentos dos vizinhos, sinto cheiro de café, um bem-te-vi canta, é inspirador ouvi-lo. Eu continuo na minha gaiola tentando achar um jeito de sair desse labirinto, de voltar a viver com esperança, de causar menos danos aos que amo, de criar formas de continuar permitindo que os meus filhos não sejam triturados pelas escolhas que não foram suas.
Sinto-me calma, apesar da lâmina sob as nossas cabeças, apesar da sensação persecutória que às vezes me invade e me prostra, já não acordo com dores no corpo, escrever faz me sentir satisfeita, e ver as idéias que estavam soltas transformarem-se pouco a pouco, em algo concreto, animam meu espírito. Fico pensando como encaixar tudo que sinto, na tela à minha frente, como contar essa história de forma que desperte interesse, como me encontrar e me permitir não ter medo de ter ousado amar. Seria fácil se eu tivesse desistido, se tivesse virado às costas, se tivesse lhe apontado o dedo publicamente, descolar-me do problema abandonando-o; daria uma lição de moral pública e seguiria meu rumo; mas é impossível, SOMOS UMA FAMÍLIA; e isso não é passível de mudança; nos amamos; todos nós! Não me arrependo das escolhas que fiz, foram ela que me levaram à família que tenho e só isso já vale toda caminhada.



A UFRJ corria em paralelo, mas com menos interesse do que antigamente, à vida real, e direito praticado diariamente, estava mais interessantes do que as teorias da academia. Não fiz política estudantil; quando entrei na faculdade estava saindo, das minhas lágrimas e não me interessei, admito; depois os direitos humanos; virou minha política. Vivia tentando conciliar a faculdade e o volume de trabalho que tinha, fazíamos fórum todos os dias; éramos uma dupla, eu e Valéria dividíamos o trabalho e acompanhávamos vários processos e mesmo não trabalhando mais nas unidades continuávamos a dar andamento; agora através do gabinete. O ali era monótono, nos cartórios não diminuiu, o volume do nosso trabalho, alias agregou.
Naquela época eu ainda estava sozinha, tinha tido um rápido envolvimento com um colega de faculdade; era um dentista e fazia direito à noite, estatura mediana; moreno, andava de branco por causa do trabalho, era vaidoso e trepava mal; não deu certo. Ele era mimado; um tanto narcisista, e ficou sem entender nada quando levou um fora. Nunca fui uma mulher quantitativa, mas qualitativa; boas trepadas, poucos parceiros.
Quando chegamos da viagem, conversamos e concluímos, que o tempo de gabinete tinha acabado, sabíamos que era uma posição de destaque estagiar ali, provavelmente um caminho para fazer carreira no próprio sistema; as pessoas eram boas, mas o lugar, monótono, sem vida; a Ilha nos oferecia trabalho pesado, adrenalina, mas em compensação; o mar, o verde, as flores; um mundo novo; poderíamos passar uma semana lá e ficar quinze dias no continente dando andamento aos processos; teríamos tempo de fazer um levantamento completo da situação jurídica dos preso, e fazer um diagnóstico de quem aos olhos da nova lei, tinha ou não direitos!
Nesse mesmo dia conversamos com Dr. Avelino, agradecemos a confiança e o respeito oferecidos por ele, mas queríamos realmente trabalhar, ver gente, exercitar um direito pró-ativo, interferir positivamente; explicamos que com a abertura do muro, os problemas que, de alguma forma pudessem surgir seriam minimizados com um levantamento apurado da situação e seria abertas vagas se em conjunto com a Vara de Execução Penal pudéssemos agilizar a situação; ele a princípio ele achou que estávamos abrindo mão de um trabalho bom, por um trabalho difícil e em um lugar pesado, uma cadeia difícil, mas nos deu carta branca para trabalhar, era também necessário colocar a situação da jurídica em dia; e só mesmo duas malucas como nós, seguiria o Milton para trabalhar de graça lá na Ilha Grande mas continuamos lotadas no gabinete, cedidas à unidade, Cândido Mendes.
Milton, que tinha sido designado para assumir a jurídica; gostou da idéia, foi nosso primeiro assistente, estava acostumado conosco e conhecia o nosso ritmo de trabalho e com isso a jurídica foi reaberta; trabalho pra caralho! Mas estávamos de volta ao trabalho que gostávamos; falar com as pessoas entender os problemas e tentar solucioná-los; era além do jurídico; fazíamos um trabalho de diplomacia, junto à direção, e como ela tinha a confiança em nosso trabalho, essa interferência minimizava o confronto guarda/preso e também a violência, já que tínhamos acesso não só a direção da unidade, como a direção geral e podíamos denunciar excessos ou maus-tratos; eles; os guardas nos engoliam, mas não gostavam...

Namastê!

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