quinta-feira, 10 de abril de 2008

FORAGIDOS


10/04/08
Bom Dia!
Paz, Amor e Serenidade!
Boa Leitura!

A casa está quieta, logo-logo Marina acorda para se arrumar para o trabalho, todos dormem, estou olhando para tela, ao fundo bem baixinho em outra janela da tela SADE canta; um cigarro entre os dedos, uma bala de hortelã na boca, no peito um sentimento de amor e de certeza de ter feito a escolha certa, apesar de toda luta.



Já havia um ano e meio que saíra de casa e nunca dei um telefonema, nem para minha mãe em Salvador, era como se não tivesse família, o cordão umbilical foi cortado, e eu segui meu rumo, mas sempre havia recados, na Faculdade por exemplo, sempre um professor amigo do meu tio perguntava como quem não quer nada como ia e sempre dizia que meus tios gostavam muito de mim e se preocupavam; continuava sendo monitorada; sempre foi assim; uma semi-liberdade, uma liberdade com coleira; larguei a faculdade.
Antes; logo que fui para casa da Valéria; me foi oferecido mudar para um apartamento pequeno na Almirante Gonçalves, onde Sérgio já havia morado, mas acabou voltando para casa; deu mais trabalho longe do que perto; então ‘caiu’, perdeu o direito de morar sozinho e teve que voltar pra casa.
Não queria para mim uma liberdade vigiada, uma liberdade “bancada”, não é liberdade; minha tia sabia quem ia à casa do Sergio, se dormiam lá, quando saía, que horas ele voltava e com quem; não queria esse tipo de controle em troca de morar “sozinha” na rua seguinte a de casa. Podia ter aceitado mas, o que eu queria era caminhar, construir uma história nova e isso me custou muito, mas valeu, me deu experiências, alegrias e uma família legal; então a troca foi satisfatória.
Trabalhar na Ilha era ao mesmo tempo mágico e estafante; era uma unidade pobre e os tempos eram violentos; de vez em quando um preso escalava, pulava o muro e corria para mata, em zigue zague para fugir dos tiros das metralhadoras das guaritas; trabalhar assim é “meio” estressante.
Nessa época um primo meu era ministro do governo Sarney e um outro era secretário de cultura do estado e eu passeando pelas cadeias da vida; não sabia como a família encarava isso porque, nunca mais voltei ou procurei, mas até aí eu era só uma moça rebelde que queria conhecer o mundo e que logo voltaria. Mas voltar nunca esteve nos meus planos; nunca voltei para nenhum lugar de onde saí, me tornei nômade; ora aqui ora ali, mas sempre sendo dona e responsável pelos meus atos.


O trabalho na Ilha ia bem, já sabíamos quem tínhamos que atender; outros já eram acompanhados pela jurídica da Pastoral Penal, ou por núcleos de assistência gratuita de algumas universidades e outros tinham advogados particulares; nós trabalhávamos para os que não tinham assistência nenhuma.
Foram meses interessantes, depois do trabalho, sempre tinha um bate papo na cozinha da casa do diretor, que dava para o gramado lateral, ou às vezes ou guardas armavam pescarias de madrugada e vinha muito peixe, ou havia festas nas suas casas com musica e bate-papo e entre isso tentativas de fuga, porrada dos guardas, brigas internas no coletivo um emaranhado de coisas aconteciam no mesmo dia.
Passávamos quinze dias na Ilha e quinze no continente colocando em dia a vida jurídica dos nossos internos, fazendo ofícios e os encaminhando, esclarecendo situações em varas criminais e em cartórios de delegacias, fazendo e dando entrada em pedidos de livramento condicional, progressão de regime, indulto, comutação, visita periódica ao lar(VPL) e pedidos de alvarás de soltura.
Nessa época, estagiária fazia de tudo na Ilha, o departamento social também não funcionava, e lá íamos nós atrás das famílias para registro de criança, levantamento de endereço para instrução de pedido de VPL, pois nem todas as famílias iam a visita ou melhor; poucos recebiam visitas então era preciso procurar os parentes para conseguir algum documento necessário, para instrução de algum pedido ou esclarecimento de outros.
Nessa época Valéria começou a se aproximar de um interno, e mais que se aproximar se apaixonou por ele e começou a pensar em que escolha fazer; ele ou o trabalho. Eu pelo meu lado apesar de ter sentido uma emoção prazerosa de reconhecimento, ainda não entendia aquilo como real, nessa época tive um envolvimento passageiro com um oficial da PM, algo que para mim era estranho, pois a farda sempre me sugeriu repressão, mas me apaixonei mesmo assim, mas nos encontramos em uma época que não era mais nossa, não era a nossa história que eu deveria estar contando e sim essa; estranho, acabei me apaixonando por dois homens completamente diferentes e de lados opostos então, o destino que ainda continuava sentado sobre as montanhas da Ilha observando me levou em direção da segunda emoção.

Namastê.

Nenhum comentário: