04/04/08
Olá amigos!
Olá amigos!
Que as flores imaginárias encham os nossos sonhos de cores!
Boa Leitura!
Capítulo XIX
O Major era um diretor diferente, uma pessoa esclarecida, apesar de se esforçar para parecer sério, era legal, inteligente, mas angustiado, e sentia fortes dores de cabeça. Falava de forma calma, e em um tom médio, era discreto apesar de ter um porte elegante. Era diferente de outros oficiais que tinha eu conhecido antes, culto, gostava de ler e atento às movimentações do mundo, tinha uma visão mais ampla que as unidades prisionais.
Ele nos falou, das dificuldades de uma penitenciária tão afastada do continente e que com a Lei Execuções em vigor, a jurídica da casa era prioritária para desafogar a unidade e dar um pouco de alívio a panela de pressão que tinha se instaurado. Ele era um administrador, previa situações e parecia querer colocar aquele lugar em condições melhores. Parecia honrado, gostei dele.
Retornamos a unidade e o evento entrou pela noite, já era hora de jantar e nós fomos descançar, enquanto a festa seguia entre presos e familiares. No dia seguinte, com o ambiente um pouco mais calmo, as autoridades já haviam regressado para o continente e pudemos percorrer as dependências administrativas da unidade; jurídica, serviço social, segurança, gabinete da direção, etc, e também fomos conhecer a companhia da PM; o Comandante, um homem educado, perspicaz, tinha também humor, nos mostrou todas as dependências, depois voltamos ao presídio para conversar com os presos.
Quando chegamos fomos encaminhados ao anexo, lá esta havendo uma reunião com os presos e o Padre Bruno Trombeta, que era o representante da pastoral penal, eles estavam tentando resolver o problema do isolamento do grupo. Era um cubículo pequeno, com um beliche; lá muitos homens; quando chegamos alguns tiveram que sair para entrarmos, os presos nos relataram com mais detalhes o que estava acontecendo e queriam que levássemos um documento para o diretor geral; entre eles havia um que pareia um padre, era falante e sério, nos olhava com desconfiança, era calvo, usava sandálias de dedo, era nordestino, aparência não enganava. Ele conversou conosco sobre a necessidade de integração daquela população, da disposição de assumirem os riscos de retornarem ao coletivo de presos, da importância do documento; que a cadeia era pobre, distante do continente e superlotada e que precisavam de ajuda. Fiquei encantada com a capacidade de raciocínio e da consciência coletiva daquele homem e principalmente da sua simplicidade.
O domingo chegou e fizemos o caminho de volta; aquele maravilhoso caminho, cheio de curvas e flores, sentindo o cheiro do mato e com a certeza que viria trabalhar ali.
*
Não foi fácil fazer a opção pela liberdade; ela implicava em pobreza; o dinheiro do meu pai que antes era só uma mesada, passou a ser o meu sustento, era uma coisa meio louca; enquanto eu procurava me adaptar a nova vida; pagava para trabalhar. Como o estágio era voluntário, arcávamos com as despesas de transporte, lanche e pequenas despesas como, cigarros, café, água; quando estávamos fazendo trabalho de fórum; era uma vida complicada, mas quando se é jovem, isso passa batido e lá íamos nós; ela vinha do Lins, eu do Andaraí e nos encontrávamos na Leopoldina, de lá; Bangu; nessa época já não havia mais carona; e as despesas eram nossas; no outro dia Galpão da Quinta, São Cristóvão, e ói nós; era legal, mas caro; me alimentava nas unidades, para economizar, mas por outro lado paguei com minha dedicação ao trabalho toda essa economia. Por isso no princípio, quando fomos chamadas para o gabinete, pensei que as coisas ficariam mais fáceis; um só lugar, um custo definido de passagens; a alimentação eu veria depois.
O Major era um diretor diferente, uma pessoa esclarecida, apesar de se esforçar para parecer sério, era legal, inteligente, mas angustiado, e sentia fortes dores de cabeça. Falava de forma calma, e em um tom médio, era discreto apesar de ter um porte elegante. Era diferente de outros oficiais que tinha eu conhecido antes, culto, gostava de ler e atento às movimentações do mundo, tinha uma visão mais ampla que as unidades prisionais.
Ele nos falou, das dificuldades de uma penitenciária tão afastada do continente e que com a Lei Execuções em vigor, a jurídica da casa era prioritária para desafogar a unidade e dar um pouco de alívio a panela de pressão que tinha se instaurado. Ele era um administrador, previa situações e parecia querer colocar aquele lugar em condições melhores. Parecia honrado, gostei dele.
Retornamos a unidade e o evento entrou pela noite, já era hora de jantar e nós fomos descançar, enquanto a festa seguia entre presos e familiares. No dia seguinte, com o ambiente um pouco mais calmo, as autoridades já haviam regressado para o continente e pudemos percorrer as dependências administrativas da unidade; jurídica, serviço social, segurança, gabinete da direção, etc, e também fomos conhecer a companhia da PM; o Comandante, um homem educado, perspicaz, tinha também humor, nos mostrou todas as dependências, depois voltamos ao presídio para conversar com os presos.
Quando chegamos fomos encaminhados ao anexo, lá esta havendo uma reunião com os presos e o Padre Bruno Trombeta, que era o representante da pastoral penal, eles estavam tentando resolver o problema do isolamento do grupo. Era um cubículo pequeno, com um beliche; lá muitos homens; quando chegamos alguns tiveram que sair para entrarmos, os presos nos relataram com mais detalhes o que estava acontecendo e queriam que levássemos um documento para o diretor geral; entre eles havia um que pareia um padre, era falante e sério, nos olhava com desconfiança, era calvo, usava sandálias de dedo, era nordestino, aparência não enganava. Ele conversou conosco sobre a necessidade de integração daquela população, da disposição de assumirem os riscos de retornarem ao coletivo de presos, da importância do documento; que a cadeia era pobre, distante do continente e superlotada e que precisavam de ajuda. Fiquei encantada com a capacidade de raciocínio e da consciência coletiva daquele homem e principalmente da sua simplicidade.
O domingo chegou e fizemos o caminho de volta; aquele maravilhoso caminho, cheio de curvas e flores, sentindo o cheiro do mato e com a certeza que viria trabalhar ali.
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Não foi fácil fazer a opção pela liberdade; ela implicava em pobreza; o dinheiro do meu pai que antes era só uma mesada, passou a ser o meu sustento, era uma coisa meio louca; enquanto eu procurava me adaptar a nova vida; pagava para trabalhar. Como o estágio era voluntário, arcávamos com as despesas de transporte, lanche e pequenas despesas como, cigarros, café, água; quando estávamos fazendo trabalho de fórum; era uma vida complicada, mas quando se é jovem, isso passa batido e lá íamos nós; ela vinha do Lins, eu do Andaraí e nos encontrávamos na Leopoldina, de lá; Bangu; nessa época já não havia mais carona; e as despesas eram nossas; no outro dia Galpão da Quinta, São Cristóvão, e ói nós; era legal, mas caro; me alimentava nas unidades, para economizar, mas por outro lado paguei com minha dedicação ao trabalho toda essa economia. Por isso no princípio, quando fomos chamadas para o gabinete, pensei que as coisas ficariam mais fáceis; um só lugar, um custo definido de passagens; a alimentação eu veria depois.
A jurídica era lugar de quem gostava de papel; ocupava nessa época os dois últimos andares de um prédio da rua Senador Dantas; tínhamos mudado da Alcindo Guanabara, onde ocupávamos um espaço no anexo da Câmara, o lugar não acomodava todos, era tudo meio amontoado, então o DESIPE - Departamento do Sistema Penitenciário, se transferiu e ocupou todo o prédio, onde também funcionava a Secretaria de Justiça.
No décimo primeiro, ficavam as salas dos assistentes jurídicos, os banheiros, e uma pequena cozinha. Eram eles quem liberava pelo DESIPE, os alvarás de soltura. Analisavam os prontuários; dossêis administrativos, onde constava toda a vida dos presos e suas movimentações; relatórios médicos, sociais, psicológicos, psiquiátricos, além de apresentações aos juízes e transferências; tudo documentado; e após o parecer, eram encaminhados à unidade para ciência do interno. No décimo segundo funcionava o coração da jurídica, muitos arquivos, caixas, computadores lentíssimos e que só poucos podiam usar; mesas, cadeiras e papel, papel, papel.
Na jurídica mandava Seu Santos, um guarda antigo, ‘fera’ em execução penal, era profissional de primeira linha, não interessava o ”nome” do preso, ou o “que” ele fez; era técnico: - Simone, não interessa saber quem é o preso; não somos juízes, precisamos saber se ele pode ou não sair, se tiver situação jurídica definida tá na rua, se ainda tiver processo pendente; não sai, e ponto.
Foi meu professor; com ele aprendi a ver o preso com olhos profissionais, sem paixões, mas com justiça. Trabalhava muito, se debruçava sobre aqueles prontuários enormes e podia localizar documentos com facilidade, detectava erros de cálculo e oficiava ao juiz, e não gostava de trabalho acumulado: - Se o assistente liberou, o preso tem que sair!
Ele não era corrupto aliás, aqueles tempos eram menos gananciosos, a corrupção não era tão ‘escrachada’, e poucos participavam. Era paciente; cabelos brancos e calvos; tranqüilo; sabia tudo, e até os assistentes jurídicos dependiam dele para destrinchar as situações mais complicadas; quem trabalhou com ele; aprendeu muito!
A vida ali era monótona, apesar da movimentação constante; já que respondia pelo grosso da parte burocrática; era um lugar de pessoas triste; alguns estavam para se aposentar e os mais novos; apáticos, com a rotina tediosa; era como se não houvesse mais o que desejar; havia casos de alcoolismo; era um trabalho que não oferecia perspectivas, não havia um plano de carreira, não havia estímulo da parte do Estado, não queriam trabalhar nos presídios e acabavam submersos nas montanhas de ofícios. Era um ‘outro’ DESIPE diferente do das unidades; na cadeia o bicho pegava.
Uma das coisas que logo percebi quando cheguei no sistema, era que havia dois DESIPES – Departamento do Sistema Penitenciário; visivelmente distintos; o da tranca e o dos gabinetes; cada um com a sua forma de lidar com o preso, mas interagiam desordenadamente; quem era da área técnica e trabalhava fora das unidades, não tinha a mesma visão de quem estava nas prisões; “trabalhar na tranca”; era tarefa muito estressante; pressão pura; um trabalho que tinha a segurança como linha central; o que desenvolvia no funcionário uma forma dura e bruta em lidar com o preso e uma visão fatalista sobre ele; claro que não era todos, mas quem ficava muitos anos nesse trabalho; acabava embrutecido. Já o corpo técnico, a parte burocrática, tinha uma visão formal, menos emocional, e como não sofriam as pressões do dia a dia da unidade, podia ver o preso de um patamar menos rancoroso.
Namastê!
No décimo primeiro, ficavam as salas dos assistentes jurídicos, os banheiros, e uma pequena cozinha. Eram eles quem liberava pelo DESIPE, os alvarás de soltura. Analisavam os prontuários; dossêis administrativos, onde constava toda a vida dos presos e suas movimentações; relatórios médicos, sociais, psicológicos, psiquiátricos, além de apresentações aos juízes e transferências; tudo documentado; e após o parecer, eram encaminhados à unidade para ciência do interno. No décimo segundo funcionava o coração da jurídica, muitos arquivos, caixas, computadores lentíssimos e que só poucos podiam usar; mesas, cadeiras e papel, papel, papel.
Na jurídica mandava Seu Santos, um guarda antigo, ‘fera’ em execução penal, era profissional de primeira linha, não interessava o ”nome” do preso, ou o “que” ele fez; era técnico: - Simone, não interessa saber quem é o preso; não somos juízes, precisamos saber se ele pode ou não sair, se tiver situação jurídica definida tá na rua, se ainda tiver processo pendente; não sai, e ponto.
Foi meu professor; com ele aprendi a ver o preso com olhos profissionais, sem paixões, mas com justiça. Trabalhava muito, se debruçava sobre aqueles prontuários enormes e podia localizar documentos com facilidade, detectava erros de cálculo e oficiava ao juiz, e não gostava de trabalho acumulado: - Se o assistente liberou, o preso tem que sair!
Ele não era corrupto aliás, aqueles tempos eram menos gananciosos, a corrupção não era tão ‘escrachada’, e poucos participavam. Era paciente; cabelos brancos e calvos; tranqüilo; sabia tudo, e até os assistentes jurídicos dependiam dele para destrinchar as situações mais complicadas; quem trabalhou com ele; aprendeu muito!
A vida ali era monótona, apesar da movimentação constante; já que respondia pelo grosso da parte burocrática; era um lugar de pessoas triste; alguns estavam para se aposentar e os mais novos; apáticos, com a rotina tediosa; era como se não houvesse mais o que desejar; havia casos de alcoolismo; era um trabalho que não oferecia perspectivas, não havia um plano de carreira, não havia estímulo da parte do Estado, não queriam trabalhar nos presídios e acabavam submersos nas montanhas de ofícios. Era um ‘outro’ DESIPE diferente do das unidades; na cadeia o bicho pegava.
Uma das coisas que logo percebi quando cheguei no sistema, era que havia dois DESIPES – Departamento do Sistema Penitenciário; visivelmente distintos; o da tranca e o dos gabinetes; cada um com a sua forma de lidar com o preso, mas interagiam desordenadamente; quem era da área técnica e trabalhava fora das unidades, não tinha a mesma visão de quem estava nas prisões; “trabalhar na tranca”; era tarefa muito estressante; pressão pura; um trabalho que tinha a segurança como linha central; o que desenvolvia no funcionário uma forma dura e bruta em lidar com o preso e uma visão fatalista sobre ele; claro que não era todos, mas quem ficava muitos anos nesse trabalho; acabava embrutecido. Já o corpo técnico, a parte burocrática, tinha uma visão formal, menos emocional, e como não sofriam as pressões do dia a dia da unidade, podia ver o preso de um patamar menos rancoroso.
Namastê!
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