domingo, 6 de abril de 2008

FORAGIDOS

(Foto Philippe Sainte-Laudy)

06/04/08

Olá Companheiros!
Não sei como vai o dia de vocês, mas o meu está azul e de onde estou, posso ver o horizonte e sentir a tranquilidade do mar que há em mim!
Que todos nesse domingo possam navegar sem medos pelos seus próprios oceanos!!!
Acendo um cigarro e penso como a vida passa rápido, e tudo acaba sendo um grande apanhado de lembranças, ora engraçadas ora sofridas, mas uma herança intransferível, herança de emoções sentidas, beijos dados, sofrimentos dramáticos, momentos cômicos; memórias que só o tempo consegue conosco dividi-las!



A Pastoral Penal, possuía uma casa na Vila, nela moram três freiras, Irmã Maria Rosa, pequena e meiga, olhos doces e bondosos, voz mansa, moça muito bonita; outra era mais séria e que parecia enfezada, chamava-se Irmã Francisca, era nordestina, dura, forte, mas também com um coração bom e a última; alta e grande, chamava Irmã Maria Emília, a palavra com que a defino é; acolhedora; era forte como uma árvore e meiga. Elas possuíam um jeep toyota, que era dirigido por um interno, cuidavam do ambulatório e serviam como enfermeiras, e de tudo um pouco.Ficaram felizes, quando descemos do ônibus na porta delas, cheias de mochilas e falamos:
- Viemos trabalhar!
Irmã Maria Emília: – Eu sabia que vocês iam voltar.Trocamos um dedo de prosa e, prometemos voltar com mais calma para conversarmos e saber como podíamos ajudar e ser ajudadas por elas, logo depois chegou um guarda, deu uma força com as bagagens e nos levou para um imóvel perto da praia; usado para acomodar os visitantes; chamava-se “casa de visitas”, ali tomaríamos banho e dormiríamos, ficava na rua lateral da casa do diretor; a cozinha dali estava desativada e as refeições seriam feitas na casa em frente.Desfizemos as bagagens, tomamos banho; e começamos a separar o material de trabalho que usaríamos no dia seguinte, e fomos descansar um pouco.
A viagem até ali era uma aventura que começava de madrugada; acordávamos às duas horas, e cada uma ia da sua casa para rodoviária; mochilas e pastas, depois de "pastar" esperando ônibus na madruga, chegávamos às quatro e meia, mais ou menos na rodoviária, pois, o nosso ônibus (EVAL) saía às 05:00hs, para Mangaratiba; esse era o último horário possível de pegá-lo sem que perdêssemos a barca que saia às 09:00 h. em ponto, do cais de Mangaratiba rumo ao Abraão.
Do Abraão éramos levadas ao outro lado da ilha, de caminhão da unidade ou no da PM; depois de uma hora e vinte sacolejando na estrada terra, chegávamos à Vila dois Rios; mortas.
Apesar de ser uma viagem agradável; era cansativa; dormimos o resto da tarde, até que a fome nos acordou e saímos para ver como seria aquela história de comer na casa do vizinho.
O "Casarão"; assim era chamada a casa, que ficava no centro de um terreno, com jardins na frente e nas laterais, possuía janelas em todos os cômodos e de quase todos eles se via o mar; ocupava o quarteirão e possuía dois andares; uma construção sólida; bela.
A iluminação da rua era fraca, e espaçada, o que dava ao lugar um ar de filme noir; Humphrey Bogart, Ingrid Bergman; um quê de ilha do caribe na década de quarenta, de o mar batia há alguns metros a frete e as ondas cantavam orgulhosamente; um paraíso; morará ali pro resto da vida! Ah, o que não pensamos quando temos vinte anos, e possuímos todo o tempo do mundo...
Chegamos no portão e logo nos viram, estavam no quintal; Milton, o comandante da companhia, o diretor, o sargento; todos conversando e esperando o jantar: - Não quisemos atrapalhar o descanso de vocês, mas venham sentem, como foi a viagem? Corajosas, hem? Deixarem o conforto do ar condicionado para alimentar os mosquitos da Ilha; parabéns! Falou o Comandante.
Milton perguntou como estávamos e se havíamos descansado; ele possuía uma casa no Abraão; pequena; ficava no final de uma rua, já quase dentro da mata; as janelas do quarto e da sala de jantar davam para um riacho atrás da casa; um som divino de água correndo, e um cheiro poderoso de natureza; fazia da casinha um lugar maravilhoso. Mas como ele não queria ficar sacolejando todo dia subindo e descendo a serra, dormia na Vila na casa da direção.
Logo o jantar foi servido, e então percebemos, o quanto estava, com fome; conversamos um pouco sobre o sistema, justiça, democracia; eu estava lendo “Arquipélago Gulag” de Soljenitsin; ele achou estranho me interessar por política e história; e o mais estranho; ler. Achava, que por mais que os jovens fossem ávidos por de conhecimento, na minha idade ele esperava que eu lesse algo diferente e a conversa continuou noite adentro e quando percebemos; Dois Rios dormia!
Valéria e eu, precisávamos dar um ‘tchibum’, entrar naquele marzão para lavar a alma; a Vila era paradisíaca e nunca acordamos tão cedo, fomos ver o sol nascer, ver o mar na luz primeira da manhã, perceber o lugar, absorver um pouco da sua energia, apresentar-nos à natureza e pedir-lhe permissão, para pisar nas suas areias, respirar seu ar, e maravilhar-nos com a sua beleza, e nos inspirar para fazer um trabalho legal!
Tinha trabalho que não acabava mais, precisaríamos checar cada situação jurídica, ver quem tinha pedido de benefício em andamento, quem estava com alvará prejudicado e porquê, quem dependia de laudos médico e social, quem tinha direito ao que aos olhos da nova lei.
Mil e duzentos internos; fichas que não acabavam mais; computador era artigo de luxo; ali não tinha; tudo era papel. A jurídica era a primeira porta do lado direito de quem entrava na unidade; possuía janelas que dava para o pátio da frente; não era grande; tinha mesas e cadeiras; arquivos antigos e uma máquina de escrever; seria pedreira! Ali trabalhavam dois internos; um muito magro de barba, com cara de rato e olhos espertos, falante e inteligente é quem fazias alguns pedidos de benefícios para os companheiros, na ausência dos advogados do sistema, mas tinha um quê de escorregadio.
O outro era moreno e forte, alto e com cara de mau, mas era uma criatura educada, quase tímida; gostavam de trabalhar ali e entendiam de execução penal; seriam de grande ajuda para botar aquilo para funcionar.
Fomos para passar uma semana; ouvimos todos os internos que chegaram até a jurídica e chamamos outros, para esclarecimento necessários; nome, rg, filiação, se tinham ou não advogados particulares, e duas semanas e meia, depois chegamos ao continente com todo o levantamento feito e uma porrada de coisa para dar andamento.

Namastê!

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