quinta-feira, 17 de abril de 2008

FORAFIDOS

(Foto Flickr)
17/04/08
Oi amigos!
Que o dia seja doce e repleto de bons recheios!
Que como crianças, se lambuzem com pequenas delícias!
E aí, abraçou alguém ontem? Espero que sim!
Boa Leitura!



Acordei com essa música na cabeça, ela tem a mesma força pernambucana do homem que dorme comigo, e enquanto Lenine canta pra mim, vejo esse bombom recheado e lembro da minha mãe na cozinha, fazendo compotas maravilhosas de manga, goiaba, carambola, tamarindo. Adoro doces, chocolate, jujuba, sonho de padaria com açúcar de confeiteiro em cima, mas acho o recheio enjoado; como só a casca. Com onze anos eu e minha mãe fomos de férias para o Rio, meu pai detestava viajar; dizia que não havia lugar mais lindo que Salvador, então, viajávamos nós duas; íamos para casa de Tio Evandro; era praia todo hora e me lembro de uma tremenda indigestão por ter comido muitos Churros; em Salvador nunca tinha visto ou provado aquilo e era gostoso, depois para rebater fui apresentada ao Grapette, um refrigerante de uva, bebi alguns, daí para frete o caos; vômito no meio da rua, dor de estômago; e já era o passeio.
Me lembro do anúncio até hoje; “Quem bebe grapette repete”; e mesmo quando voltei definitivamente anos depois, nunca pude imaginar sem um quê de enjôo, a mistura do churros com grapette.
Tempos de absoluta e inocente alegria, mas preciso voltar a história que estavava contando, acendo um cigarro...


Padre Bruno, mantinha uma rotina de trabalho, tanto na Vila Dois Rios como no Rio, atendendo e encaminhando problemas vindos das mais diversas unidades; a pastoral, ficava no sub-solo da Catedral, perto da Lapa, suas estagiárias também eram boas e ganhavam uma ajuda de custo, enquanto nós; ui; maior dureza, mas por outro lado, nós tínhamos mais acesso às informações, porque estagiávamos no próprio sistema; isso nos dava acesso livre aos cartórios; ajudávamos a procurar processos nos arquivos da VEP, que era uma loucura; pilhas e pilhas de processos, em estantes, nas mesas e por termos jogo de cintura sempre as informações nos chegavam com rapidez. Nós não interferíamos nos processos da pastoral e vice-versa, cada um cuidava dos seus clientes; posso dizer, que através do nosso trabalho saíram de lá mais de duzentos internos, ou em livramento condicional ou transferido de regime, ou para uma unidade menos rigorosa.
Quanto mais o nosso trabalho avançava, mais percebíamos injustiças, humilhações, que nem sempre ocorriam com a concordância da direção da unidade, mas acabava sendo tolerada por puro corporativismo, outras tantas com a aquiescência da administração.
Mas aquela era a forma que o sistema se comportava, todas as unidades possuíam os mesmos problemas; não havia preocupação com o homem, com a sua possibilidade de escolher outros caminhos. O sistema era punitivo, não havia preocupação com o resgate das pessoas em si. Um depósito de homens, empilhados aos milhares pelo Brasil afora aguardando que alguém quem sabe, viesse lhe buscar como uma mala velha, esquecida em um armário de rodoviária.
Não havia como fazer carreira num sistema que se comportava assim; o preso era só um RG, poucos trabalhavam, poucos estudavam, era uma unidade antiga, com setores interditados, não havia trabalho para todos na prisão; uma cadeia que exigia uma disciplina mais rígida do preso, mas não oferecia um tratamento digno.
Não era bem no sistema que eu queria trabalhar, mas o destino; esse sacana, me fez conviver com ele e nele quase um quarto de século.
Não gostava do que via, queria um direito; vivo, real, não ia me formar para ser assistente jurídica ou chegar a ser diretora de unidade prisional.
Cruz credo; é barra pesada demais!
Nossa convivência foi ficando cada dia, mais complicada; passamos a sermos revistadas mesmo com a PM e os funcionários sabendo quem éramos; uma provocação, para ver como reagiriam as “doutoras”; havia um ciúme e uma desconfiança do princípio de envolvimento de uma de nós com um preso.
Nunca fomos maltratadas por qualquer coletivo com qual trabalhamos, e os internos da Ilha Grande foram dos mais respeitosos, passamos a fazer as refeições nas biroscas; o preso transformava o seu cubículo em uma “vendinha” e ofereciam uma comida melhor do a servida no cadeião ou éramos convidadas para comer nos mais diversos cubículos a convite dos internos e era aonde acabávamos sabendo quem tinha apanhado, quem não conseguiu receber visita por pura implicância de funcionários, da qualidade péssima da comida, da falta de trabalho; era uma cadeia pobre, era urgente a necessidade de oferecer perspectivas para aquele monte homens que sabiam ter uma longa pena a cumprir e nada para fazer.
Então já que não rolava trabalho; só para alguns poucos, estudo ou outra coisa que o valha; o negócio de alguns presos então, era fazer buraco para ver se conseguia fugir, ou pular o muro e sair em disparada, na tentativa enlouquecida de fugir das balas das, ponto-trinta das guaritas, que zuniam sem parar; e lá se iam, em zig-zag até alcançar a mata, e enquanto isso as “macacas”, cantavam nas suas costas. Fugir assim era tentar a sorte, mas para alguns, era preferível tomar uma bala nas costas tentando, do que viver em condições de miséria, sem família, sem visita, em uma cadeia pobre e de disciplina rígida.
Naquela altura já havia um desconforto com a nossa postura a favor das questões colocadas pelos presos, e com as quais concordávamos, então recebemos um ofício pedindo nosso regresso. O padre também não morria de amores por nós; fazíamos uma espécie de concorrência ao trabalho da pastoral, o que não era normal vindo de estagiários do DESIPE, que tinham fama de serem ‘meia bomba’, por fazerem um trabalho voluntário.
Aquela era a última semana; Valéria já tinha me colocado a par da sua decisão; pedir seu desligamento do sistema e visitar Paulinho como sua mulher.
No princípio fiquei meia, confusa, com a certeza dela, que ainda estava descobrindo o que sentia e eu, que já havia experimentado essa sensação na primeira viajem; preferia ignorar.
Ele durante esse tempo me rondou de forma discreta, começou a me enviar coisas que ele escrevia, poesias, poemas, que sempre eram o gancho para uma boa conversa e começamos a perceber que tínhamos muito em comum apesar de a princípio tão distantes. Ele havia se separado da mulher há mais de um ano e tinha um filho pequenino; que a enteada levava; de vez quando para visitá-lo.
Como eu, era um caminhante, mais um perdido no mundo, procurando partes de si mesmo em coisas e pessoas. No último dia, antes de partirmos pedi que um interno fosse chamá-lo; ele veio meio triste e aborrecido; achava que a unidade voltaria a ficar com a jurídica a deriva e que nunca mais nos veríamos e eu disse que estava apaixonada; o cara quase caiu da cadeira; perguntou: -Tem certeza? Estava escrito nas estrelas!

Namastê!

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