sexta-feira, 11 de abril de 2008

FORAGIDOS

(Foto Flickr)
11/04/08
Olá!
Outro dia e o mundo ainda resiste, no fundo sou uma pessoa esperançosa!
Ouço Sade Adu...
O amor sempre foi um guia na minha vida, não posso dizer que fui infeliz, a vida foi difícil, mas infeliz não. Claro que abri mão de muitas coisas, claro que essa escolha foi complexa, não a aceitei sem lutar para que a vida fosse normalizada, mas acho que minhas estratégias não têm dado o resultado esperado; a liberdade definitiva ainda não veio e tudo continua pela metade como antes, mas a família está inteira, ainda resistimos, ainda somos uma família. Isso me faz bem, sou libriana, Vênus me move e os relacionamentos são importantes.
Senti-los se movendo a minha volta, sorrindo, sabê-los meus companheiros de caminhada e nos amarmos, é tudo que meu coração precisava, minha alma se acalma em família, meu espírito os reconhece como minhas metades amadas, reencontradas nesse mundão de Deus.



O oficial era bonito, educado e elegante, falava bem e gostava de ouvir, e eu estava querendo falar; contei-lhe como sai de casa, como me afastei da família, as dificuldades de morar sozinha. Ele era um bom ouvinte, mas um tanto taciturno; tinha olhos verdes.
Tivemos um envolvimento passageiro, sinto carinho quando me lembro, era uma excelente pessoa; sempre achei que ele estava na profissão errada ou no mínimo vestindo a farda errada; parecia-se mais com um oficial do exército do que um oficial da PM, tinha sonhos que ultrapassavam esses limites, o exército poderá levá-lo além das fronteiras do Estado; mas isso era o que eu achava, não o que ele achava; estava acostumado ao trabalho, era aplicado e se daria bem na carreira.
Não ficamos juntos muito tempo, mas foi alguém importante na minha vida, me ensinou ao seu modo que devemos ser responsáveis pelas nossas escolhas, que não dá para passar uma borracha na vida, que não dá para zerar o cronômetro, e que temos compromisso acima de tudo com o que escolhemos. Devo a ele esse aprendizado; honrar as escolhas que fiz e que faço.
Nos separamos, mas continuamos trabalhando juntos e a vida seguiu na Vila Dois Rios com os problemas de costume, violência, superlotação; o caldeirão estava sempre tenso.
Do lado de fora da penitenciária, um grupo de internos moravam em casas; eram colonos livres, tinham a permissão de ocupar casas enquanto cumpriam suas penas, alguns moravam na entrada da Vila, mas eram poucos, outros moravam perto da garagem e o restante no “favelão”, rua lateral da unidade, onde começava com casas de tijolos; antigamente a Ilha possuiu uma olaria; e no final; casas de estuque se continuássemos em frente chegarámos a cachoeira de água fria e limpinha, um paraíso.
Na vila moravam uns cento e vinte “colonos livres”, e para chegarem a esse benefício administrativo de viver do lado de fora da unidade tinha alguns requisitos a serem preenchidos; comportamento excepcional, possuir mulher e filhos, trabalhar; a maioria possuia horta, alguns trabalhavam como motoristas dos caminhões, outros na pesca, alguns faziam trabalhos para a administração ou para Pastoral. Tinham que dar dois “confere” na porta da unidade, isto é apresentar-se todo os dias às seis horas da manhã, às seis da tarde e meia noite, e responder o confere da listagem do guarda que ia chamando o nome de um por um em ordem alfabética.
No caso do preso não aparecer era destacado um grupo de guarda para ira até a casa do interno ver o que tinha acontecido; se estava doente, dormindo ou se tinha fugido. Raros colonos fugiam, eram presos que estavam perto de receber benefício e a condição de “colono livre” era positiva em qualquer pedido de benefício ao Juiz.
O trabalho fazia esquecer me da paixão que não deu certo e com o coração vazio, mas frágil foi fácil perceber uma emoção boa que rondava, distante em minha volta.
Ele não se aproximava e quando o fazia era sério e sempre para encaminhar outro companheiro que precisava de ajuda, nunca pediu que víssemos seu processo apesar de não ter advogado, fiquei com o caso dele que não era nada fácil; uma ficha de término de pena toda em aberta, sem os esclarecimentos das varas e auditorias militares, foi um trabalhão colocar tudo em ordem, mas no final consegui esclarecer a sua situação jurídica, então o chamei. Ele chegou do mesmo jeito de sempre pisando macio, com olhar sério, mas tranqüilo, ele me olhava nos olhos enquanto eu explicava toda aquele emaranhado de processo e o que era possível ser feito dentro da nova Lei; ele não acreditava, sabia-se marcado pela sua postura de não aceitar as condições desumanas das cadeias e não acreditava ser beneficiado, eu perguntei se ele não confiava em mim: – Em você talvez, na justiça não.
Ali foi o início de fins de tarde de conversas; ele esperava o último interno ser atendido e perguntava se tudo estava bem se nós precisávamos de alguma coisa e eu sempre o convidava para sentar, sempre sobre as condições da unidade, da forma que o sistema podia ser, da necessidade dos presos estudarem, trabalharem, e uma justiça mais rápida. Era preciso que os processos andassem mais depressa para abrir novas vagas e desafogar as delegacias. Era um cara esclarecido, não era de sorrir, mas tinha força e consciência em sua fala; os olhos dele, pequenos e brilhantes confirmavam cada palavra. Mesmo todo enrrolado, em uma situação complicada, naquele fim de mundo e sem a mínima idéia de quando a liberdade chegaria, tinha uma dignidade no olhar, uma certeza na vida que me deixou abismada.
Voltei a me apaixonar de novo!

Namastê!

Nenhum comentário: