segunda-feira, 7 de abril de 2008

FORAGIDOS













Oi Amigos!
Há dias maravilhosos, para se ler um livro, tomar uma sopa e um chá verde quentinho; hoje é um deles!
A chuva não para de cair; ora leve, quase um chuvisco, ora forte e com vento; chegou uma frente fria, o sol não terá menor chance.
Que dia é hoje? Não importa, posso ser atemporal através das palavras, avançar e retroceder nas histórias; aqui sou dona do meu próprio tempo...
Sinto-me renovada garimpando fatos antigos e sentimentos guardados, nesses vôos da memória revejo lugares, pessoas, percebo cheiros, sons e posso me transportar para momentos específicos.
Hoje achei uma foto do “Casarão” na Internet; me bateu uma emoção gostosamente esquecida; ver lugares que foram fundamentais para as escolhas que fiz na vida, me serviu de aconchego.
E o tempo voa; minha filha fez vinte e dois anos; é uma pessoa tranqüila, zen, e muito especial para mim, mais do que filha é minha amiga, e muitas vezes minha mãe. Ela é meu norte, parece comigo, tem uma natureza tímida, é boa; meio punk como eu, vive entre a seriedade do trabalho e do estudo e a jovem boemia dos finais de semana; acabou de tatuar nas costas uma flor de Liz, tem um gênio bom e é ‘decidida’ como a mãe. Desejo-lhe toda a sorte de maravilhas do mundo, que ela possa como eu, ter direito de escolha em mundo tão cerceador, que estude para ser aquilo que almeja, que sempre escolha o homem com quem deite; aprenda a amar sem medo, e acima de tudo seja feliz!
Acendo um cigarro e lembro...



Trabalhar não me afastava dos questionamentos internos, dos medos; mascarava-os; escondia-os, mas estavam lá me espreitando: ‘Como será minha vida?’ ‘Será que vou viver sempre pelas vagas e quartos vida afora?’ ‘O que me espera?’ E como não tinha resposta para nenhuma daquelas perguntas que me deixava frágil e insegura; enfiava a cara no trabalho.
Dividimos irmamente o trabalho; mais ou menos seiscentos internos para cada uma e começamos a fazer um a organização na papelada. Separamos as anotações por Varas Criminais e o primeiro passo era fazer um levantamento na jurídica da Senador Dantas, localizar as fichas de término de pena; se fosse pequena copiávamos, se grande tirávamos xerox; cruzávamos as informação com os prontuários e depois íamos para o fórum já sabendo por onde começar.
Perguntem a qualquer estagiário como é o trabalho no fórum; de vara em vara, um sobe e desce de andares, disputando informação; hoje o trabalho está simplificado, informatizado; antes era pedreira; a nossa facilidade era podermos entrar nas dependências do cartório, por sermos estagiárias do estado. Tempo bom de muita poeira, de pilhas e pilhas de processos, “de abrir o fórum”; quando chegávamos às dez horas da manhã, pela garagem, para trabalhar na Vara de Execuções - VEP; antes, de o cartório ser aberto; e tudo virar um caos; e “de fechar o fórum”; quando saíamos tarde da noite, cheias de papéis e uma alegria que só a juventude é capaz de ter depois de horas e horas em pé.
Pirmeiro passo na VEP, era saber se o processo tinha alguma dependência; outro(s), processos em andamento; ir as respectivas varas se houver dependência e esclarecê-las, anotar na ‘xerox’ da ficha de término de pena da jurídica e pedir o carimbo e a rubrica do funcionário que prestou as informações; depois com a informação oficiávamos a vara de origem para ela enviar esses dados para VEP, para que ela tomasse ciência da situação jurídica do condenado e o processo pudesse ir ao cálculo. Só com o cálculo de pena homologado pelo Juiz era que o processo começava a andar e podíamos pleitear benefícios; processo sem dependência, nem cálculo é processo parado.
O trabalho requeria estratégia; as fichas dos presos eram selecionadas por varas, depois, localizávamos o corredores e o andar, dos respectivas cartórios; e então ‘caíamos matando’ nos corredores; uma para cada lado, e tome esclarecimentos, assinaturas, carimbos; trabalho pra caralho; no final do dia; pernas doídas; nos reencontrávamos na Execuções; às vezes íamos para casa, outras para a Senador Dantas e saíamos noite alta, colocando as informações em ordem, alimentando os prontuários e as fichas com as informações colhidas.
Não havia tempo sequer para ir a cabelereira ou na manicura; antes, quando morava com os meus tios e fazia estágio na área civil; ia para fórum arrumada; saia, blusa, scarpans salto sete, e meia-calça; tempo de atividade menos cansativa; agora era calça jeans, blusão, e o velho Allstar, para suportar subir nas estantes atrás de processos e facilitar as andanças pelo fórum.
Não foi fácil esclarecer aquele monte de situação jurídica, levamos mais tempo do que prevíamos; e duas semanas de ralação depois; conseguimos ter a situação jurídica de quase todos internos, poucos ficaram sem respostas, eram processos aguardando algum esclarecimento.
Com o diagnóstico feito ficamos sabendo quantos tinham direito, a condicional, a comutação, ao regime semi-aberto, etc. os casos de alvará de soltura tinham prioridade e já tinham sido providenciados; agora era chamar um por um explicar os seus direitos; face, a nova lei. Primeiro levantamento ver quem era o preso, quais realmente podíamos atender e orientar aos que tivessem advogados a procurá-los.
Nunca tínhamos trabalhado tanto, mais começamos a colocar a jurídica no lugar; Milton também não se deu trégua, arregaçou as mangas e caiu dentro; ele descia uma vez por semana ao continente e agilizava os benefícios; nós que ficávamos sem descer duas ou três semanas, organizávamos os arquivos, atualizava as fichas de atendimento, fazíamos pedidos de benefícios; esse ritmo durou uns dois meses até que conseguimos normalizar os atendimentos.
O estagiário quando entrava no sistema; durante o treinamento, era orientado a se portar com o preso de forma distante e respeitosa: - Nada de pena, ali não há santos; simplesmente faça o seu trabalho. Mas nós não éramos assim, víamos pessoas; e sempre achamos que educação, trabalho e respeito transformariam o sistema penitenciário.
Continuo achando.

Nanastê!

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