domingo, 16 de março de 2008

FORAGIDOS

(Praia de Bogari - Salvador/BA)

16/03/2008.

Terra, 16/03/08. Marina minha vida, EU TE AMO, você é meu norte, porto seguro, amiga, mãe, irmã, companheira, filha amada; me acalma com sua tranqüilidade, me equilibra com sua sensatez. Esse relato virtual que começo a fazer, é pra você meu amor; é para você mostrar aos meus netos, é para eu dizer o quanto você é importante pra mim, e quanto a sua amizade foi balizadora da minha lucidez.
EU TE AMO MINHA FILHA, MINHA AMIGA, MEU AMOR!!
FELIZ ANIVERSÁRIO!




Toc. Toc.
Quero entrar; quero participar desse espetáculo fantástico que é a vida!
Quero voltar a ter endereço, quero andar na rua sem medo, quero viver em família, sem a pressão insana que é viver foragidos. Preciso rever os amigos, e fazer novos também, ir ao cinema; respirar sem essa sensação opressiva que sinto no peito. Hoje, minha filha faz vinte e dois anos, e o presente que posso oferece é sair da toca, me arriscar, dar a cara à tapa, lutar. Sei que a decisão de começar a escrever, nos colocará no olho do furacão; estamos foragidos, ou melhor; o pai dela está, mas somos uma família e as alegrias e as dores acabam sendo extensivas a todos.
Preciso tentar falar, dizer o que sinto, antes que as frustrações me corroam, preciso expurgar o medo e enfrentar os meus moinhos de vento e o mundo.
Nestes quase dois anos estive em guerra comigo mesma; me permitir sentir, raiva, rancor, ódio, culpa, medo, ira, tristeza, tédio, decepção, mas o amor, esse sentimento milagroso, me permitiu entender que fui agraciada com o que é mais precioso, uma família.
Talvez achem piegas; talvez riam, achem-me louca; mas não importa; preciso acreditar que algo novo e bom possa acontecer em nossas vidas, ouso acreditar que a ela nos levará no rumo certo.
Tenho filhos, sou responsável por eles, e serei eternamente, os pus no mundo, pari, não posso me furtar de honrá-los, de dar o exemplo, e não recuar; quero passear em família, interagir com o mundo, olhar as pessoas nos olhos e um dia quem sabe, todos juntos, possamos viver em liberdade legal.
Enquanto isso...



“FORAGIDOS”

- Sejam bem vindos, ao mundo daqueles que mesmo sendo; não são!

Sinto dor! Droga! Quando decido tomar a rédea do meu destino, e colocar o nariz para fora; o dente dói. Agora, preciso escrever um livro; aquele que estava preso, sufocado por desistências, medos, auto-sabotagens; tentarei a sorte e quem sabe, viro o jogo! Quarenta gotas de dipirona; amanhã; vou ao dentista!
Sou Simone; tenho 48 anos, três filhos e um marido foragido da justiça!!
Sou libriana, bipolar, tenho uma boca ferina e um gênio terrível.
Persigo a liberdade; adoro ler e estou com uma puta dor de dente!
Sou leal, fiel e louca. Detesto trabalho doméstico, falo palavrão e gosto de trepar!!
Todo louco gosta de trepar, deve ser os hormônios descompensados, enlouquecidos com a intensidade das emoções sentidas no seu mundo particular. Esse foi um fato importante para a permanência longeva de um casamento maluco; começou com a trepada do século; depois ficou complicado; era bom; então fudeu! Três filhos e 24 anos juntos!!
Sou um ser familiar; adoro minha família; me sinto responsável por ela; tudo bem que às vezes a odeio, mas é rápido e o amor acaba resolvendo as diferenças; sou amada e o amor me salva de mim mesma todos os dias!!
E aí? Interessa-lhe a história de uma moça de família baiana quintocentona, que casou com o “dito” fundador do Comando Vermelho e que faz bodas de prata ano que vem? A história de uma família improvável, fadada ao fracasso, mas que segue o seu rumo a despeito, da prisão, da distância e da fuga?
Quem desembolsará um centavo sequer para conhecer a vida de loucos que resolveram, ser feliz, a despeito das probabilidades negativas?
Há quase dois anos estamos foragidos e posso lhes dizer; não tem sido fácil! Voltar ao convívio social requer muito mais que a liberdade formal, é necessário uma reforma nos conceitos e na percepção de si mesmo. Levei quinze anos vivendo como “solteira”, dona da minha casa e do meu nariz, sendo senhora e rainha do pedaço; até que o meu território foi “invadido” de forma não prevista; a fuga!
Tinha me preparado para recebê-lo; e acompanhá-lo nas reapresentações, mas não avaliei a possibilidade dele fugir; tínhamos um acordo tácito; “segurar a onda quanto tempo fosse, mas foragidos nunca mais”; foi um baque! Não previ o desgaste do homem que amava; via-o “super”; e ele era, só “humano”; aos sessenta e quatro anos, com problemas neurológicos e hipertensivos não queria morrer longe dos filhos; sucumbiu ao aconchego familiar na sua primeira saída no regime semi-aberto; e eu entrei de cabeça no meu inferno astral...

Capítulo I

Adoro as palavras; sua plasticidade, sua sonoridade me encanta, para mim são como alimento, bálsamo, ungüento...
Assim comecei a primeira carta que fiz para meu adversário. Um adversário especial; aquele que se tem de criar formas de acessar sua atenção.
Quando será que percebemos que mudamos? Quando realmente nos tornamos adultos?
A primeira vez que tive a certeza que algo em mim estava se reconstruindo, foi quando, entendi estar olhando o mundo através do olhar do outro; dos que caminhavam a minha volta. Descobri-me adulta quando soube que, podia admirar o meu oponente, tratá-lo com respeito e colocar-me no lugar dele.
Sempre admirei as lutas limpas, justas, honradas e um bom adversário se deve tratar dessa forma. A diplomacia sinalizou o meu rito de passagem.
Aprendi observando o que era diferente de mim. o oposto sempre me ensinou mais, por que sempre me atraiu mais. Não um oposto específico mais o oposto enquanto oposto. O que se parece comigo me entedia, faz-me observar a mim mesma enquanto vejo, o oposto é o novo, o diferente é sempre uma descoberta.
Sempre fui uma tímida curiosa! E essa curiosidade desconfiada me levou a caminhos que, nunca poderia supor seguir; caminhos de luta, mas também de aprendizado, crescimento, de conhecimento.
Como todo mundo, sou um amálgama constante de emoções, vivências, desejos; e me reconheço diariamente através de formas multifacetadas, e só o tempo; companheiro constante; inexorável; poderá me dizer quem eu sou.
Agora volto a sentar em frente à tela do computador para tentar extrair de mim, memórias, lembranças, emoções, sentimentos, que me traduz.
Há em mim uma dualidade esquisita, um sentimento confuso que, ora me transporta milhas e milhas, ora me chumba, me prostra, me entedia; um sentimento extracomunitário; “sou de nenhum lugar, sou de lugar nenhum”, uma angústia centenária, é como se eu não fizesse parte realmente do espetáculo diário da vida, que a visse de fora, um sentimento de enfado, de cansaço, como se tudo já fosse visto e sentido, é como se possuísse mil anos e estivesse em um avatar, presa a uma realidade a qual conheço, mas que não posso alterar. Às vezes acho que venho caminhando desde o princípio do mundo, me sinto um ser antigo; milenar.
Esses anos de reclusão involuntária me fez amadurecer de forma áspera, mas ao mesmo tempo necessária para a construção daquilo, pelo que sempre lutei; a família. Ela tem para mim, uma importância vital!
Há muito venho fugindo, escondendo-me, da vida, do sol; mas ao mesmo tempo, se não fosse o peso da “prisão” que ainda carregamos; como um fardo interminável; tudo seria maravilhoso! É incrível, nos amamos! Todos! Pais e filhos; exercitamos entre nós sem pudor, esse sentimento magnífico.
Estou saindo aos poucos das minhas neuroses cíclicas, sou bipolar; não que tenha sido diagnosticado por algum médico, mas é forma que minha mente percebe a vida. Consigo sentir uma gangorra de emoções, ora densas, urgentes, intensas, ora apáticas, frágeis, pequenas, mas aos poucos o equilíbrio vem surgindo. Para amenizar a discórdia entre o tudo e o nada; fumo! O medo; esse ser soturno e ardiloso, tem me dominado, mas preciso ser mais forte do que ele; achei que o meu tempo de lutar estava acabado, mas ainda tem a última batalha.
Declarei guerra contra o lado negativo da força que há em mim, meu lado sombrio. Àquele mesquinho, egoísta, arrogante; agora se depara com aquele que se alegra com coisas simples, se emociona com sentimentos sinceros. Olho para meu marido e sinto um misto de amor e raiva; pensava que seria uma coisa fácil amar, mas não é!
Enchi páginas e páginas de cartas com juras de amor e é tão fácil jurar amor quando ele não interfere naquilo que você traçou pra si mesma, mas a prova das juras vem no resistir, quando todos os planos se implodem; vem no perdoar a nós mesmos e ao outro, quando nos percebemos desiguais; vem no permitir o amor apesar das diferenças. Temos uma personalidade forte, e nos amamos; essa mistura faz com que sejamos francos e essa franqueza magoa, mas nos faz mais unidos a cada dia...
O homem é um ser em contínua mutação e não seria diferente conosco, estamos aprendendo a lidar com o “nós”. Não o “nós” anterior, aquele do qual só falávamos, mas não exercíamos na sua plenitude, agora com ele aqui, o tempo de conjugação do verbo mudou; muito mais do que imaginei; isso exige adaptação, crescimento e aceitação, para encontrar o caminho a seguir.
Esse sentimento “tsunaminano” me faz repensar toda a minha caminhada até agora; o que fiz, por onde andei, quem conheci o que deixei; todo esse emaranhado de lembranças me fez ser, o que sou. E o que sou?
Aprendo a cada dia que o valor do amor é incalculável, que ele é pleno, perfeito, possível; mas é uma tarefa que requer pujança, esforço!
“Amar é um ato que de coragem”!
Seria bom se todos fossem do jeito de desejamos, do jeito que idealizamos, mas seria monótono e de uma previsibilidade mortal.
“Ele é a minha tese”, dizia eu segura, como uma pitonisa, mas ledo engano; eu sou a minha tese. Sou eu que cada dia aprendo um pouco mais de mim mesma, que me surpreendo com as minhas fraquezas, com meus medos, com minha fragilidade, e ele, foi o veículo para esse conhecimento.
Tudo que pensei; as avaliações que fiz; das pessoas e do mundo em minha volta, nada mais era do que um voyeurismo inverso; eu me observava através deles. Apesar da aparência tranqüila, me sinto um caleidoscópio, com várias formas diferentes, a partir do ponto de vista que cada um tem quando se aproxima de mim, mas não sou nenhuma delas. Sou uma obra inacabada, em construção contínua, permanente; vivo ciclos intermitentes, iguais, que se repetem, e que não consigo rompê-los; eu me “auto-saboto”.
É como se eu estivesse esperando algo; é como se eu não fosse daqui, me sinto estrangeira em qualquer lugar que eu esteja, é como se esperasse voltar para casa a qualquer momento; só não sei aonde é esse lugar ou melhor sei sim; o lugar é a Liberdade; que para muitos é algo impalpável, mas que para mim é o meu lugar; desde que o conheci nunca ficamos juntos em liberdade legal; sempre presos ou foragidos; isso há 24 anos!
Com ele me sinto bem, é como se fossemos do mesmo lugar, ele é um ‘dejavú’, não somos iguais, não pensamos do mesmo jeito, mas há algo que nos faz estarmos juntos, como um amálgama a nos unir.
Com ele; eu sou eu, me reconheço; sei quem sou. Com ele não sou o que achava que seria, mas sou o eu que reconheço sendo eu mesma. Nem sempre gosto do que vejo; ultimamente tenho detestado, mas o que vejo possui uma grande contribuição minha.
Mesmo quando não percebemos, traçamos caminhos...

Até amanhã amigos!!

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