(Sorveteria da Ribeira- Salvador/BA)
19/03/08
Oi companheiros!
Hoje, sem muitas novidades, lá vai mais um pouquinho de lembranças...
Capítulo IV
Quase não saio, e quando o faço, acabo não indo muito longe; gostaria de descrever o que vejo, mas somos foragidos, não temos endereço certo e sabido, então prefiro dizer que paro e vejo a vida passar... E daqui de onde escrevo posso ver o céu e ouço sempre um bem-te-vi cantar...
A viagem para o Rio começou tranqüila, mas conforme ganhávamos terreno as coisas foram ficando difíceis, era época de chuvas e muitas barreiras caíram na estrada, estávamos a caminho da divisa com o Espírito Santos quando ficamos presos, perto de Itamarajú/BA; que estava isolada por causa da enchente do rio Jequitinhonha. As águas subiram mais de um quilômetro para cada lado, nos deixando presos quase uma semana, em um posto da estrada, há poucos quilometro da entrada da cidade. Foi coisa de louco, muita chuva, quase nenhuma água potável, mais de trezentas pessoas, mais de cem ônibus parados, muita confusão.
No primeiro dia até que foi divertido, o restaurante do posto ainda tinha comida e vinho e foi uma madrugada de muita chuva e cantoria. No segundo os mosquitos nos descobriram e as coisas começaram a ficar incomodas, daí por diante o caos. Helicópteros do exército jogavam mantimentos e água potável, mas não tinham permissão de pousar, pois tinha gente demais e não podiam ser retirados naquelas condições, só nos restava aguardar, era tudo uma doideira total! Só no quinto dia meus tios conseguiram me localizar através, do gerente do Banco do Brasil da localidade. No sexto dia, já com uma situação insustentável; uma senhora tinha enfartado no ônibus e não havia como ter socorro imediato; a cidade também estava sofrendo com a enchente; da parte baixa da cidade só aparecia à cruz do alto da igreja; o resto estava sob a água, tivemos que assinar um termo de responsabilidade para passar a pé na ponte que estava interditada, e ela não agüentaria o peso dos ônibus. Fizemos as listas das pessoas que concordavam em retornar, relacionamos os números dos ônibus/ horários/ destinos/ empresas de cada um, e tivemos que autografar em baixo; uma exigência de um representante local do Departamento de Estrada de Rodagem, para só assim liberar a travessia da ponte, que estava tombada, com a metade dentro do rio e só uma lateral para cima. Passamos com uma corda na cintura, agarrados na amurada; na parte de baixo a correnteza do rio era forte, e troncos de árvores ficavam retidos pela ponte, deixando-a mais insegura, quando eles se chocavam contra ela.
Do outro lado vários ônibus aguardavam os “flagelados” para levá-los de volta a Salvador; era impossível seguir adiante. As listas foram entregues a os representantes das empresas e os viajantes, encaminhados para a viagem de volta. Mesmo com esse desvio, a minha vontade de conhecer o novo me fez passar por cima do medo e ir.
Cheguei ao Rio três dias depois de avião!
Copacabana 1979, dezenove anos, Sá Ferreira, posto 5, Hotel Miramar, La Pomme D’or, pré-vestibular no Miguel Couto Bahiense, aulas de yoga, sábado à noite no cinema, Roxy, Rian, Ricamar, Jóia, compras na Papelaria Iracema, ao Bicho da Seda, LoBrás, Slopper, muito milk-shake no Gordon, ou no Bob’s da Domingos Ferreira; dias de sol e noites de lua nas pedras do Arpoador, sem iluminação, é claro, corrida de Maveric na Ponte Rio - Niterói, meias de lurex, Frenéticas, Dancing’Days na TV, Marina Lima no rádio, Cláudio Zóli no walkeman.
Uma fase nova, novos parentes, novos vizinhos, Rio de Janeiro era uma festa, Ribeira era um bairro tranqüilo, Copacabana fervilhava!
Não foi tão fácil me adaptar, ainda sentia morte do meu pai, e apesar do exterior arder a minha volta, havia um vazio enorme em mim, mas o Rio tratou de amenizá-lo com sua acintosa alegria, era uma época de muito livro e preparação para o vestibular; mais do que nunca me sentia estrangeira. Continuei mal por algum tempo, engordando a cada dia, me levaram ao médico, o “psiquiatra de plantão”, toda boa família tinha um, qualquer rebeldia, e você era interditada. Diagnóstico: - Estresse pós-traumático, disse ele. Comecei a fazer yoga, andar no calçadão, parei de fumar, fiquei mais tranqüila e comecei a emagrecer. Nessa época conheci um amigo do meu tio, Dr. Cardoso, pai da atriz Louise Cardoso, que era médico e andava todo dia no calçadão, foi quem me ajudou a perder peso. Era um cara legal!!
Como o vestibular de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro era no final do ano, me preparei para fazer as provas das faculdades particulares, para saber o quanto mais teria que estudar para passar em medicina.
A minha família era formada na sua maioria por advogados e médicos e foi quase automático, me inscrevi em Direito, passei.
Ora, ora e agora? Fui classificada para direito, área de ciências humanas nada a ver com a área de saúde, nunca me pensei advogada, como alguém com dificuldade de interagir, poderia ser uma advogada? Não queria defender nenhuma causa, queria conhecer a mente humana, queria conhecer o ser humano, queria me conhecer. O direito para mim era árido, duro, sempre ligado a disputas, pomposo. A família achou maravilhoso, meu tio era advogado, fazia parte do Instituto dos Advogados do Brasil, um homem estudioso do direito; o meu primo também era; então, seria perfeito; todos trabalhando juntos.
Ui! Não era aquilo que eu queria e tratei de deixar claro que continuava a me preparar para fazer medicina. Mas mesmo assim decidi me matricular no 1º ano acadêmico de direito, Faculdades Integradas Bennett, era melhor do ficar no pré-vestibular, no final do ano trancaria a matrícula e faria medicina, mas isso nunca aconteceu, o direito me pegou e fez cativa.
Auditório cheio, alunos de economia, sociologia e direito, aula inaugural!
O mundo acadêmico me encantou, muita gente da minha idade no mesmo lugar, algumas como eu, vindas de outras capitais para estudar no Rio; cheias de sonhos, e medos disfarçados em certezas; um movimento frenético de jovens, uma avalanche de idéia, assuntos, muita vida pulsando... vida noturna; estudava a noite!! Um ritmo ansioso e feliz, todos, em busca de si mesmos, foi uma época de maconha, papo cabeça, chope no Trombada, muito rock “do bom” pelas ondas da Fluminense FM – A Maldita! E rolam as pedras!!!!!
O ‘Trombada’, uma lanchonete que ficava em frete do Bennett, na rua Marquês de Abrantes, e que existe até hoje, era onde os alunos paravam para exercitar esportes muito excitantes, observação da vida alheia, conversa fiada e o mais concorrido; alterocopismo.
Êta vidão!!
Final dos anos 70, fim de década, Figueiredo no poder, Ulysses Guimarães no Congresso, a anistia; que não foi nem ampla, nem geral, nem irrestrita; muito pelo contrário; no rádio Fagner, Céu da Boca, Alceu Valença, Oswaldo Montenegro, Lô Borges, Dusek, a Cor do Som; era tempo de festivais; e de toda sorte de esperanças cantadas e faladas em voz alta, sem o pudor dos que já conheceram os percalços da vida, e a medicina foi ficando mais distante. Enquanto o tempo passava comecei a me interessar pelas matérias e pelo ambiente, e preferi adiar um pouco o vestibular; fui apresentada a Leo Huberman, Marx, Engels, Erasmo de Roterdã, a sociologia jurídica e toda sorte de boa leitura, um leque de opções, de assuntos que eu ainda não tinha lido; acabei me apaixonando pelo Direito; não o direito, frio, impessoal mas, o vivo, humano, o que se importa. Esse me encantou!
Eu continuava sendo uma pessoa retraída, apesar de ter amigos legais na faculdade, éramos um grupo de estudo, oito pessoas, dois deles vieram de Manaus, tinham acabado de se casar, eram novos, dezenove e vinte anos, e os pais de ambos “bancavam” os estudos e a permanência no Rio, o apartamento deles na, Marquês de Abrantes era o nosso quartel general, estudávamos, conversávamos, fumávamos, enquanto o casalzinho tentava perceber, que eram casados. Apesar dos muitos rapazes solteiros no grupo eu continuava sozinha, ainda me sentia tristonha com a morte do meu pai e o término do namoro com Ibson...
Tchau, amanhã tem mais!
Oi companheiros!
Hoje, sem muitas novidades, lá vai mais um pouquinho de lembranças...
Capítulo IV
Quase não saio, e quando o faço, acabo não indo muito longe; gostaria de descrever o que vejo, mas somos foragidos, não temos endereço certo e sabido, então prefiro dizer que paro e vejo a vida passar... E daqui de onde escrevo posso ver o céu e ouço sempre um bem-te-vi cantar...
A viagem para o Rio começou tranqüila, mas conforme ganhávamos terreno as coisas foram ficando difíceis, era época de chuvas e muitas barreiras caíram na estrada, estávamos a caminho da divisa com o Espírito Santos quando ficamos presos, perto de Itamarajú/BA; que estava isolada por causa da enchente do rio Jequitinhonha. As águas subiram mais de um quilômetro para cada lado, nos deixando presos quase uma semana, em um posto da estrada, há poucos quilometro da entrada da cidade. Foi coisa de louco, muita chuva, quase nenhuma água potável, mais de trezentas pessoas, mais de cem ônibus parados, muita confusão.
No primeiro dia até que foi divertido, o restaurante do posto ainda tinha comida e vinho e foi uma madrugada de muita chuva e cantoria. No segundo os mosquitos nos descobriram e as coisas começaram a ficar incomodas, daí por diante o caos. Helicópteros do exército jogavam mantimentos e água potável, mas não tinham permissão de pousar, pois tinha gente demais e não podiam ser retirados naquelas condições, só nos restava aguardar, era tudo uma doideira total! Só no quinto dia meus tios conseguiram me localizar através, do gerente do Banco do Brasil da localidade. No sexto dia, já com uma situação insustentável; uma senhora tinha enfartado no ônibus e não havia como ter socorro imediato; a cidade também estava sofrendo com a enchente; da parte baixa da cidade só aparecia à cruz do alto da igreja; o resto estava sob a água, tivemos que assinar um termo de responsabilidade para passar a pé na ponte que estava interditada, e ela não agüentaria o peso dos ônibus. Fizemos as listas das pessoas que concordavam em retornar, relacionamos os números dos ônibus/ horários/ destinos/ empresas de cada um, e tivemos que autografar em baixo; uma exigência de um representante local do Departamento de Estrada de Rodagem, para só assim liberar a travessia da ponte, que estava tombada, com a metade dentro do rio e só uma lateral para cima. Passamos com uma corda na cintura, agarrados na amurada; na parte de baixo a correnteza do rio era forte, e troncos de árvores ficavam retidos pela ponte, deixando-a mais insegura, quando eles se chocavam contra ela.
Do outro lado vários ônibus aguardavam os “flagelados” para levá-los de volta a Salvador; era impossível seguir adiante. As listas foram entregues a os representantes das empresas e os viajantes, encaminhados para a viagem de volta. Mesmo com esse desvio, a minha vontade de conhecer o novo me fez passar por cima do medo e ir.
Cheguei ao Rio três dias depois de avião!
Copacabana 1979, dezenove anos, Sá Ferreira, posto 5, Hotel Miramar, La Pomme D’or, pré-vestibular no Miguel Couto Bahiense, aulas de yoga, sábado à noite no cinema, Roxy, Rian, Ricamar, Jóia, compras na Papelaria Iracema, ao Bicho da Seda, LoBrás, Slopper, muito milk-shake no Gordon, ou no Bob’s da Domingos Ferreira; dias de sol e noites de lua nas pedras do Arpoador, sem iluminação, é claro, corrida de Maveric na Ponte Rio - Niterói, meias de lurex, Frenéticas, Dancing’Days na TV, Marina Lima no rádio, Cláudio Zóli no walkeman.
Uma fase nova, novos parentes, novos vizinhos, Rio de Janeiro era uma festa, Ribeira era um bairro tranqüilo, Copacabana fervilhava!
Não foi tão fácil me adaptar, ainda sentia morte do meu pai, e apesar do exterior arder a minha volta, havia um vazio enorme em mim, mas o Rio tratou de amenizá-lo com sua acintosa alegria, era uma época de muito livro e preparação para o vestibular; mais do que nunca me sentia estrangeira. Continuei mal por algum tempo, engordando a cada dia, me levaram ao médico, o “psiquiatra de plantão”, toda boa família tinha um, qualquer rebeldia, e você era interditada. Diagnóstico: - Estresse pós-traumático, disse ele. Comecei a fazer yoga, andar no calçadão, parei de fumar, fiquei mais tranqüila e comecei a emagrecer. Nessa época conheci um amigo do meu tio, Dr. Cardoso, pai da atriz Louise Cardoso, que era médico e andava todo dia no calçadão, foi quem me ajudou a perder peso. Era um cara legal!!
Como o vestibular de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro era no final do ano, me preparei para fazer as provas das faculdades particulares, para saber o quanto mais teria que estudar para passar em medicina.
A minha família era formada na sua maioria por advogados e médicos e foi quase automático, me inscrevi em Direito, passei.
Ora, ora e agora? Fui classificada para direito, área de ciências humanas nada a ver com a área de saúde, nunca me pensei advogada, como alguém com dificuldade de interagir, poderia ser uma advogada? Não queria defender nenhuma causa, queria conhecer a mente humana, queria conhecer o ser humano, queria me conhecer. O direito para mim era árido, duro, sempre ligado a disputas, pomposo. A família achou maravilhoso, meu tio era advogado, fazia parte do Instituto dos Advogados do Brasil, um homem estudioso do direito; o meu primo também era; então, seria perfeito; todos trabalhando juntos.
Ui! Não era aquilo que eu queria e tratei de deixar claro que continuava a me preparar para fazer medicina. Mas mesmo assim decidi me matricular no 1º ano acadêmico de direito, Faculdades Integradas Bennett, era melhor do ficar no pré-vestibular, no final do ano trancaria a matrícula e faria medicina, mas isso nunca aconteceu, o direito me pegou e fez cativa.
Auditório cheio, alunos de economia, sociologia e direito, aula inaugural!
O mundo acadêmico me encantou, muita gente da minha idade no mesmo lugar, algumas como eu, vindas de outras capitais para estudar no Rio; cheias de sonhos, e medos disfarçados em certezas; um movimento frenético de jovens, uma avalanche de idéia, assuntos, muita vida pulsando... vida noturna; estudava a noite!! Um ritmo ansioso e feliz, todos, em busca de si mesmos, foi uma época de maconha, papo cabeça, chope no Trombada, muito rock “do bom” pelas ondas da Fluminense FM – A Maldita! E rolam as pedras!!!!!
O ‘Trombada’, uma lanchonete que ficava em frete do Bennett, na rua Marquês de Abrantes, e que existe até hoje, era onde os alunos paravam para exercitar esportes muito excitantes, observação da vida alheia, conversa fiada e o mais concorrido; alterocopismo.
Êta vidão!!
Final dos anos 70, fim de década, Figueiredo no poder, Ulysses Guimarães no Congresso, a anistia; que não foi nem ampla, nem geral, nem irrestrita; muito pelo contrário; no rádio Fagner, Céu da Boca, Alceu Valença, Oswaldo Montenegro, Lô Borges, Dusek, a Cor do Som; era tempo de festivais; e de toda sorte de esperanças cantadas e faladas em voz alta, sem o pudor dos que já conheceram os percalços da vida, e a medicina foi ficando mais distante. Enquanto o tempo passava comecei a me interessar pelas matérias e pelo ambiente, e preferi adiar um pouco o vestibular; fui apresentada a Leo Huberman, Marx, Engels, Erasmo de Roterdã, a sociologia jurídica e toda sorte de boa leitura, um leque de opções, de assuntos que eu ainda não tinha lido; acabei me apaixonando pelo Direito; não o direito, frio, impessoal mas, o vivo, humano, o que se importa. Esse me encantou!
Eu continuava sendo uma pessoa retraída, apesar de ter amigos legais na faculdade, éramos um grupo de estudo, oito pessoas, dois deles vieram de Manaus, tinham acabado de se casar, eram novos, dezenove e vinte anos, e os pais de ambos “bancavam” os estudos e a permanência no Rio, o apartamento deles na, Marquês de Abrantes era o nosso quartel general, estudávamos, conversávamos, fumávamos, enquanto o casalzinho tentava perceber, que eram casados. Apesar dos muitos rapazes solteiros no grupo eu continuava sozinha, ainda me sentia tristonha com a morte do meu pai e o término do namoro com Ibson...
Tchau, amanhã tem mais!
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