sexta-feira, 28 de março de 2008

FORAGIDOS

(Foto Marquee Moon)

Que as flores encham de cor o seu dia!




27/03/08
Hoje nada postei, defeito financeiro; ficamos sem luz, nem todos os foragidos passeiam por Mônaco, bordejam pela Europa ou desfrutam a vida nos mares do sul, ou nas mansões pelo Brasil; nós fazemos parte dos ‘duros’, aqueles que vão levando a vida com simplicidade, como todo brasileiro, esperando com fé a hora da liberdade.


Capítulo XI

Tento me concentrar, o tempo mudou, e o calor me tira a atenção, estou na menopausa, e às vezes sobe um calor intenso como um raio que percorre todo o corpo deixando-o em brasa, mas da mesma maneira que vem, vai, rápido!
Estamos num momento de decisão, um momento de avaliação de caminhos, estamos no fim da nossa catarse!!
Tenho aprendido nesses anos lições preciosas; paciência, tolerância, respeito, confiança, perdão, não tem sido uma tarefa simples, para alguém mimada e geniosa, mas vou sair dessa história melhor, um ser humano; mais completo, e poderei envelhecer com dignidade ao lado dos que amo.
ELE é minha salvação; através dele pude viver uma vida diferente; mais simples, mais real, mais humana; não lhe digo que a pobreza é legal; sou justa, não burra; mas existem trocas que aparentemente são irracionais, mas que nos salvam de nós mesmos, do nosso inferno interior, da infelicidade. Ele me faz feliz!

Comecei a estudar na UFRJ; o Professor César Papaleo era o diretor, além de professor de medicina legal, o prédio rosa da Moncorvo virou a extensão da minha casa; fiz novos amigos, mas ainda me sentia sem rumo.
Era um prédio antigo, na entrada uma escadaria de mármore levava ao segundo andar, do lado direito, xerox, secretaria, mais a frente a sala do Caco (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), do lado esquerdo a cantina, no andar de cima o salão nobre, e salas, no terceiro andar mais salas. O elevador era uma diversão aparte, antigo de porta pantográfica e era sempre uma roleta russa para saber quem ia ficar preso; estava sempre sendo consertado.
Em casa tudo andava igual; Sergio dando trabalho, minha tia tentando dominá-lo e meu tio aéreo nas matinês do Rian.
Tudo ai bem até que recebi um convite para fazer um estágio no sistema penitenciário, era um advogado do DESIPE – Departamento do Sistema Penitenciário; Milton, ex-aluno da UFRJ, que ‘garimpava’ estagiários.
A notícia foi recebida com estranheza e temor, pelos meus tios: - “Preso, prisão, escória, gentalha,” e por aí foi... “-Seremos mortos, assaltados, latrocinados” e mais uma série de pérolas; não adiantou; resolvi fazer o estágio; não porque adorava direito penal, mas acho que foi só para contrariar; foi só pela forma que as críticas foram colocadas.
Assim fui trabalhar no Presídio Evaristo de Morais com o Milton, um cara engraçado que morava no Leme era chamado, de “Mário Fofoca”, um personagem “meio confuso” de uma novela de TV; uma mistura de mister Bean com Hommer Simpson. Um cara puro, de bom coração; ingênuo, metido a experto, mas bobo, vivia se enrrascando.
Milton não fazia parte do rol dos corruptos, foi guarda penitenciário, mas se formou e virou assistente jurídico; era viúvo, tinha um filho e vivia correndo atrás. de mulher.
A prisão me trouxe um outro olhar sobre a vida, que até então não tinha; o meu mundo, certinho, monótono, previsível, chato; às vezes inumano; chocou-se , com a aspereza da prisão; era a vida pulando em minha frente com toda sua imperfeição dizendo - Vem; me experimenta!!
E fui; trabalhei primeiro no Evaristo, conhecido como Galpão da Quinta; um presídio adaptado de um antigo galpão de veículos; era uma unidade que tinha como característica agregar presos homosexuais, o sistema de tranca não permitia a circulação de presos e eles se locomoviam entre as celas no “pulo”; como á divisão das paredes não iam até o teto eles pulavam de parede a parede até a cela desejada; lá funcionava uma oficina onde alguns presos trabalhavam; o presídio não era grande, mas populoso.
Em casa as coisas estavam cada dia pior; meu primo estava dando mais trabalho que de costume; minha tia andava azeda, meu tio oprimido, e eu passava, a maior parte do tempo fora de casa. Estava cansada do preço que pagava por uma vida de anúncio de margarina; ‘fake’, onde mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo.
Eles não eram meus pais; ficava mais fácil, e com tanto casamento entre contra-parentes todos eram meio ‘punk’; resolvi que era hora de morar sozinha! Mas não de imediato, a idéia precisava ser maturada; eu não era Sergio, não podia ser “deserdada”; meu pai estava morto e minha mãe morava em outro Estado; era hora de começar realmente a viver, conhecer o mundo, dar a cara à tapa, aprender a errar, a não ter medo de prosseguir!!
O dinheiro não era importante naquela época; tinha vinte e poucos anos, muito hormônio, um espírito timidamente inconformado e uma certeza de que, o preço em ficar era maior do que o de partir!
O trabalho não era estafante; estudava de manhã e a tarde estava no estágio; lá havia uma outra garota que o Milton trouxe da Cândido Mendes; Valéria; era loura, de cabelos cumpridos, um olhar triste, magra e gostava de trabalhar; nos tornamos amigas!
Morava no Lins, o pai era dentista, a mãe professora, tinha um irmão mais novo, que era o xodó da mãe, o que causava muitos atritos; ciúme; ela era mais ligada ao pai e tinha uma filha pequena do casamento com um vizinho, mas estava separada e voltou a morar com os pais e eles assumiram a educação da filha; o que causava ainda mais atrito.
Meus tios não gostaram da Valéria e não me perguntem porque; eles a acharam ‘esquisita’ e me proibiram de andar com ela; quando ela ligava o recado não era dado ou ficavam na extensão; a situação de cerceamento ficava cada vez pior e eu não sabia reagir com indiferença para poder herdar benesses depois. Levo sempre muito tempo para decidir, mas quando decido não tem volta; é irrecorrível!


Namastê

Nenhum comentário: