domingo, 23 de março de 2008

FORAGIDOS

(Largo da Ribeira - Ribeira - Salvador/BA)

23/03/08
Olá companheiros!
Domingo de Páscoa, que os poderes cósmicos transbordem de bondade e lhes conçeda um ano próspero e cheio de PAZ!
FELIZ PÁSCOA a todos!
Boa Leitura!





Capítulo VIII

Era tranqüila a vida com os meus tios, morávamos em um apartamento grande, um por andar, confortável, quatro quartos, dois belos salões, da janela das salas víamos o mar; tapetes felpudos no chão; uma praga para a minha renite alérgica, uma alegria constante para os ácaros, mas minha tia gostava de andar descalça e pisar em tapetes fofos.
E viva a proliferação silenciosa dos invisíveis bichinhos!
Fui saindo aos poucos da depressão, passei a caminhar no calçadão e ficar visivelmente mais magra e mais alegre, começando a ter vontade realmente de conhecer aquele mundo novo.
O tempo me fez perceber as coisas em minha volta, e a partir daí a brincadeira de casar com o meu primo passou a ser uma possibilidade concreta, as coisas começaram a ficar, complicadas, eu não queria casar, nem com ele, nem com ninguém, tinha acabado de chegar em uma nova cidade, tinha só dezenove anos; que casar que nada, logo agora que estava saindo do buraco, nada disso, eu queria beijar na boca; não casar com um primo!!!
Queria viver, respirar, mas meus tios se sentiam responsáveis pelo meu futuro e queriam me ver casada com o filho deles; o casamento era sinônimo de tradição, segurança, tranqüilidade; acolhimento familiar!
Caguei!! Nós não tínhamos nada em comum mesmo; ele era 18 anos, mais velho do que eu, mimado e genioso, era aposentado por problemas de saúde pela Caixa Econômica Federal, era meio “punk” das idéias; como advogado, ganhava bem e morava com os pais, tinha tudo que queria ou desejava; meu tio foi presidente da Caixa Econômica no Paraná; filho de Juiz; meu avô Manoel; que também foi Secretário de Estado na Bahia, minha família é uma mistura de primos e primas sem fim; nem tanto pela tradição mas para garantir que a herança portuguesa não saísse de mãos conhecidas.
Meu tio estava aposentado, tinha posses; minha tia, muitas jóias.
Partidão! Mas tanto ele, quanto eu; não estávamos interessados nesse tipo de arranjo, nos gostávamos como irmãos, não tinha química, não rolava; no princípio até que ele se engraçou com a idéia de “papar” carne nova, tive que dar uns perdidos nele durante a madrugada mas; como apesar de tímida sou geniosa; o bicho “peidou”, deu pra tras; ficou com medo do escândalo!!
Eles ficaram decepcionados quando perceberam que não pensávamos nessa possibilidade, apesar do meu primo em algum momento ter proposto um casamento de fachada em nome da
liberdade de nós dois, não topei, eu estava disposta a buscar independência mas não daquela forma; casando com quem não queria.
Ficaram tristes, adoravam meu pai; eram em cinco irmãos; Oswaldo, meu pai, tio Adhemar, tia Alaíde, tia Olga e tio Evandro, o caçula; todos primo-irmão de tia Nígea, que tinha duas irmãs; Ophelia, casada com tio Edmundo (primo-irmão) e Nyomar, que foi casada com tio Hélio (primo irmão); tio Adhemar foi casado com tia Aldina, mas não eram primos; tia Alaíde era casada com tio Arnaldo que era médico e tinham cinco filhos; tia Olga era solteira, sem filhos, meio doidinha, vivia em um mundo próprio; meu pai a adorava, era sua irmãzinha querida, quando a via falava; - Olga Rainha do Volga, Princesa dos Urais; ela adorava.
Depois de algumas tentativas de convencimento, o bom senso prevaleceu, e perceberam, mesmo a contragosto que não dava para obrigar duas pessoas que não se gostavam, casarem, então eu e o Sérgio fomos finalmente deixados de lado. Mas mesmo assim, eles continuaram se empenhando, em encontrar um bom partido para uma sobrinha prendada.
Minha tia era uma mulher impressionante; inteligentíssima, com uma personalidade gigante; apesar de ter o físico de uma adolescente; era pequena, minghon; com a pele muito clara, pontilhada de sardas; tinha uma voz peculiar meio sibilante e sua vontade, podia mover o mundo; se lá em Salvador já era um matriarcado de respeito; ali ele era exercido na sua plenitude.
Ela imperava; com sua sagacidade, com sua inteligência aguçada, com sua vontade férrea. Tenho saudade dela, gostaria de ter convivido mais com aquela mulher incrível. As pessoas a admiravam e a temiam!! Lia muito adorava, ficar recostada; era uma diva; tinha um olhar que lhe lia em um segundo, se fazia de frágil quando o ataque voraz não dava resultado; comumente com o filho, o marido fazia suas vontades sem reclamar; meu tio era um doce; educado, gentil e sempre pronto a servi-la; enquanto; ela imperava prazerosamente sobre o seu mais fiel súdito; ele.
O poder do matriarcado era um velho conhecido; minha mãe o exercia muito bem; ali diferente era; as reações dos respectivos súditos; meu pai, indiferente; deixava; mamãe deitar e rolar, mas tinha uma hora que ele dizia; parou; e ela parava. Ali o negócio fervia; ela mandava sempre; e nele; pois ou outros em volta fingiam que obedeciam. Mas acho que no fundo; mais do que gostar de se comportar assim; ele se habituou a ser tratado daquela forma e não se importava mais, talvez essa era a forma dele amá-la.
Cursei um ano de Direito no Bennett, e consegui; através do meu tio uma vaga na Faculdade de Direito da UFRJ. Não me sentia bem em saber que fui transferida para uma faculdade pública, tirando uma vaga de quem ia fazer vestibular, mas “quem tem padrinho não morre pagão”, diziam; não adiantava chiar, assim eram as coisas; quem pagava as contas é quem mandava!!
Até então o Rio se resumia em alguns bairros da zona sul; Copacabana, Ipanema, Leblon, Jardim Botânico, Flamengo; lugares onde moravam ou parentes ou amigos dos meus tios; a Faculdade Nacional de Direito ficava na Rua Moncorvo Filho; onde se encontra até hoje; perto da Central do Brasil; um Rio diferente, mais parecido com alguns lugares de Salvador; com menos glamour e mais vida real, um trânsito intenso, muita gente...
Gente! Isso é o que mudou, comecei a conhecer gente; jovens como eu, mas diferentes; não que no Bennett só houvesse filhinhos de papai, mas era uma faculdade particular e mesmo as pessoas que não tinham muitas posses e trabalhavam para pagar seus estudos a noite, eram mais contidas. A Nacional era diferente; mais parecida comigo; tinha filhinho de papai, mas também os que trabalhavam e melhor; tinha os rebeldes, os loucos, os sonhadores; havia também alunos cativos, que se recusavam a crescer e adoravam o ambiente contestativo que existia ali; levavam o dobro do tempo para se formarem; e só o faziam mediante a possibilidade de serem jubilados
Naquela época queria ser diplomata!

Namastê!

Nenhum comentário: