segunda-feira, 24 de março de 2008

FORAGIDOS

(Praia do Bogari- Salvador/BA)


24/03/08
Dia de sol! Desejo que seus raios os cubram de energia positiva e que sinalizem um dia alegre e produtivo.

Amigos, os capítulos servem como marcadores, controles para que não me perca em divagações repetidas. Não tenho compromisso com épocas, quero navegar nas minhas lembranças. A minha mente vai e volta de lugares e momentos diversos.


Capítulo IX

- Morgado? O que é Morgado? O homem da tv perguntava.
- É um homem todo cagado!! Eu respondia.
E lembro do meu pai com paciência explicando que era o tal de morgado. Interessante como lembramos de coisas que não fazem o menor sentido quando pronunciada, quarenta anos depois; lembro-me de outra coisa:
- Ê curau e milho! Ê cuscuz!! Passava cantando o moço do curau!!; era alegre, lembrava cidade de interior. Lembro também do apito do guarda noturno que passava de madrugada avisando ao seu modo que tudo estava bem.
Desde pequena era assídua freqüentadora da Sorveteria da Ribeira, achava o melhor sorvete do mundo; minha mãe conspirava: - Vai dar espinha! - Vai ficar com cárie! – Sorvete engorda!, mas meu pai fazia ouvidos moucos e eu sempre me dava bem no sorvete; cheguei a ter até conta, mas a coisa desandou por alto consumo e meu pai cortou a regalia.
Nessa época devia ter uns oito anos, era muito magra, como uma garça anorexa, adorava tomar sorvete, no mínimo um por dia; não “engorda de ruim” dizia minha mãe.
Gostava de ver meu pai pescar, ele era um cara calmo, com um sorriso lindo e de uma gentileza natural, tinha inúmeros amigos, tantos, que muitos, só conhecia por apelido, outros, sequer lembrava o nome, mas abria um sorrisão e dizia - Meu amigo! Para cada um que se aproximasse. Seu Oswaldo, meu amor!
Minha mãe odiava o hobbe dele; a pescaria. Ele tinha a mania de encher o congelador de baratas do mar, que serviam de isca; pescava sentado de terno branco, sapatos Vulcabrás, cigarro na boca, óculos no rosto; se não estivesse na balaustrada, estava na casa do meu tio, ou parado conversando com alguém.
Ela falava que não estava certo, que era nojento, dizia que geladeira não era feita para guardar barata, que ia jogar tudo fora; ele se fingia de morto, deixava ela falar, a olhava com um olhar blasé e ai vê tv, mas continuou guardando as baratas no congelador.
Às vezes ela o tratava como criança, dizia que ele ia acabar sendo preso por dar cigarros aos “maconheiros” que ficam perto dele na balaustrada; ele nem tava aí; conhecia todos desde pequenos, não se ligava no que eles estavam fazendo e se lhe pedissem um Continental ou um Hollywood, ele não negava; os garotos o adoravam.
Essa lenga, lenga foi a minha adolescência toda, ela falava e ele fingia que escutava, a verdade é que ele a amava, e ela se habituou a encher o saco dele, ele era aposentado, tinha sido ‘exator da Secretaria de Fazenda’, ficava mais tempo passeando do que em casa, então ela pegava no pé, mas se gostavam.
Casaram-se quando ela era secretária do tio dele que era dentista; papai, um boêmio, jogador, solteiro convicto aos cinqüenta e tal, e ela uma moça bonita pequena, de vinte e poucos, viúva, sem filhos; e assim acabou a solterisse do Seu Oswaldo, o boêmio inveterado dos bordéis e sinucas da Praça Castro Alves.
Depois de casada, dona Angélica, minha mãe, especialista em prótese dentária, passou a receber clientes encaminhados por dentistas amigos; trabalhou durante muitos anos e quem passasse lá por casa sem dente acabava ganhando uma dentadura.

Namastê!

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