segunda-feira, 31 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto Artbychrysti)


31/03/08
Oi Amigos!
Como sempre nada de novo, só á vontade de virar um pássaro, um Ícaro, e planar sobre a vastidão, não tão alto para que o sol não queime as minhas asas, mas o suficiente para sentir a amplitude do mundo.

Ás vezes sonho com estradas floridas, caminhos tranqüilos em que só se precisa, absorver o perfume, admirar o magnífico espetáculo da natureza, e perceber a simplicidade do amor, que nos é oferecido gratuitamente.
Nunca estivemos juntos em belos lugares; sempre vivemos o dia de hoje, nunca viajamos em família, nunca fomos á praia, sempre as grades, sempre a espera, a longa e interminável espera, para que um dia possamos ser completos e então nos divertir com a beleza da vida.

Capítulo XV

Não era fácil ser sozinha sabendo que tinha casas confortáveis em duas cidades diferentes para voltar; prometi a mim mesma na primeira crise de pânico e solidão, que se eu suportasse durante seis meses viver longe da família, sem pirar eu estava pronta para fazer o que quisesse; nunca mais voltei para aquelas casas.
Chorei muito, tive medo, senti um abandono enorme, mas tudo era melhor do que o domínio; sempre fui um ser de alma livre; se aqui estou foi por escolha própria, sempre assumi a responsabilidade de viver. A família era a proteção sufocante, despersonalizadora; ela canibalizava meus sonhos. É amigos nunca estive a venda!
O Esmeraldino era uma penitenciaria difícil; muita fuga e muita porrada; era uma cadeia masculina, dura; difícil para o trabalho feminino, as visitas eram recebidas do lado de fora dos pavilhões e comiam sentadas em toalhas, uma cena triste, mas com a ida de um novo diretor, José Tortma; para a unidade e por ter sido preso político, havia um ar me mudança positiva para os preso; os guardas ficaram putos. Logo o trabalho começou a ser sabotado pelos insatisfeitos e ele teve que começar a andar com escolta; e como morava na zona sul, eu pegava carona com ele, esperava na Atlântica e depois pegávamos a Valéria na Leopoldina, ele ia com uma espingarda 12 entre as pernas, quando chegava na entrada da Av. Brasil, se espigava, pedia para ficarmos atentas e mandava o motorista que também era guarda, sentar o pau; foi um tempo emocionante; enquanto isso o sistema pegava fogo... Na Frei Caneca havia tido uma tentativa de fuga e tinha, presos isolados e machucados, mas não era nosso território; ainda.
No Galpão da Quinta, as travestis, brigavam, se cortavam; de vez em quando chegava uma na jurídica querendo morrer porque o amante a trocou por um outro preso; era hilário se não fosse trágico, os guardas não amaciavam; porrada em todos; aquilo me incomodava profundamente; era injusto! Nós enchíamos o saco do Major Barros, o diretor, sobre o comportamento desrespeitoso de alguns guardas; ele gostava da nossa cara de pau e tentava aparar as arestas com os guardas, que não morriam de amores por nós. Ali conheci, o cara mais respeitoso de todo o sistema penal, humilde, mas altivo, corajoso, tem um lugar especial no meu coração; Sargento Amiche; branco, estatura mediana, magro e com um “bigodão mexicano” que o deixava engraçado, depois foi transferido para Ilha quando eu o reencontrei depois.
Gostávamos do que fazíamos e as jurídicas em que trabalhávamos estavam sempre em dia. Logo recebemos um convite do diretor da Penitenciária Feminina Talavera Bruce em Bangu, fomos trabalhar mas não quis ficar; o Talavera era uma cadeia emocional; difícil; mulher é mais emotiva, tem TPM e exerce a agressividade como autodefesa, são mães, esposas, a maioria sem visita; os homens não costumam ser solidários e elas acabam sozinhas e só alguns familiares vão nas visitas; era uma cadeia triste, era um lugar diferente de outros, que estava habituada a trabalhar; cadeia masculina; seca, bruta, cheia de testosterona e perceber essa mesma brutalidade ali entre mulheres me fizeram ficar insegura; no primeiro dia chegou uma interna:
- E aí vadia ? Cadê a outra advogada? Vocês todas são umas putas mentirosas!
Fiquei gelada, sem saber o que dizer; apareceu uma guarda na porta e ela se acalmou, no segundo dia outra tirou a blusa na jurídica e ficou de sutiã só para chocar o bobão do estagiário; ali vi que não dava para continuar, que eu não queria prejudicá-las, mas não queria trabalhar sobre aquele tipo de pressão; demos uma força mas não ficamos. Foi quando recebemos o convite para trabalhar na Alcindo Guanabara; no anexo da Câmara dos Vereadores; um lugar de paredes forradas de madeira escura; as salas tinham móveis escuros, pesados; o chefe da jurídica era Vitagliano; gente boa, simpático, no rosto marcas de antigas espinhas, gostava de trabalhar; nos indicou para o gabinete do Dr. Avelino. Éramos poucos; eu, Valéria Negrão, Vinícius Cordeiro, que hoje está na política e mais um rapaz que não me lembro; papel, burocracia, até o dia que chegou um convite vindo da Ilha Grande; os internos da penitenciária estavam convidando todo o gabinete para o Festival de Música que aconteceria no mês seguinte.
Chegamos a Mangaratiba cedo, pegamos a Loretti e seguimos rumo ao Abraão.
A visão da ilha com a aproximação da barca era fantástica; uma das montanhas formava um bico de papagaio e toda a costa era de um verde desbundante!!
A Ilha Grande já foi entreposto para o tráfico ilegal de escravos; no século XIX, D. Pedro II a visitou ficou deslumbrado com a beleza do lugar e resolveu comprar a Fazenda do Holandês; hoje, Vila do Abraão e a de Dois Rios.
Na Fazenda do Holandês foi construído o Lazareto, que serviu de centro de triagem e quarentena para os passageiros enfermos de tuberculose e cólera que chegavam ao Brasil; funcionou durante 28 anos. No princípio de 1900, o Lazareto foi desativado e passou a funcionar como presídio político; a Colônia Correcional de Dois Rios; no Abraão; que abrigou os preso da Revolução Constitucionalista de 32 e em 1940 foi construído em Dois Rios o Instituto Penal Cândido Mendes, para presos de alta periculosidade.
A Barca ancorou no cais e fomos apresentados a um lugar bucólico, tranqüilo. Do lado direito um antigo Clube desativado, perto do posto da PM, do lado esquerdo comércio; em frente, começava a estrada de terra que cruzava a serra e acabava na Vila Dois Rios.
A viagem até lá era uma aventura; muitas flores, pássaros, uma vista linda, um ‘marzão besta’ escancarando o seu verde a cada curva que o caminhão fazia; levamos uns quarenta minutos até chegar ao topo da serra; a visão do porto do Abraão era fascinante. Continuamos a andar e encontramos alguns presos trabalhando em um local chamado “britador”; dali em diante; mais quarenta minutos de descida; e mais um show da natureza; as águas eram azuis e a areia branca, um ponto que começava a crescer e divisávamos aos poucos uma praia, mais uma curva e o colar verde em volta dela, uma outra volta e o prédio da penitenciária aparecia pequeno como uma caixa fósforo, que foi crescendo de forma lenta; com o tempo divisamos a Vila, pessoas andando, presos em cima do prédio central, guardas nas guaritas, até que chegamos à entrada do vilarejo e percebemos que aquela paisagem deslumbrante era habitada. Havia muito vai e vem, fomos levados para o portão da unidade, pois a festa estava começando.
“(Não posso mais viver assim ao teu ladinho / por isso colo o meu ouvido num radinho / de pilha / pra te sintonizar / sozinha numa ilha / Sonífera ilha descansa meus olhos / sossega minha boca / me enche de luz...)”
Dois Rios, Ilha Grande, Cândido Mendes, Cadeião do Inferno, Choque de Monstro, Chora na Cruz; lugar filha da puta; bonito e sofrido, um mar lindo que servia de muro barrando a fuga dos mais afoitos, um céu colorido que fazia sonhar, lugar de choro e gemido; uma incongruência total; me apaixonei!
A Vila parecia uma cidade do interior, ruas de terra e areia, casa baixas e de aparência confortável, que pertenciam ao Estado e eram ocupadas pelos guardas, que trabalhavam ali. Logo na chegada tinha uma pequena capela; me lembro do armazém perto da oficina, era uma rua larga que ia dar na praça da frente da penitenciária, paralela a ela era a praia, linda, perfeita do outro lado, o cinturão verde da mata; continuando seguindo pela lateral da penitenciária a rua se estreitava; as casas rareavam, e começavam a aparecer alguns barracos; era o “favelão”. Na lateral oposta um pouco afastado e mais perto do mar, havia a Companhia Independente da Polícia Militar, que era o destacamento que fazia a segurança externa da colônia penal.
O caminhão sacolejou até o portão; a primeira pessoa que vi foi o Sargento Amiche que agora era chefe de segurança; e Milton nosso ex-assistente jurídico, que tinha uma casa no Abraão; fomos bem recebidos; além de nós duas, haviam outros convidados, e todos foram encaminhados para a casa do diretor, para deixar as bagagens; íamos ficar o fim de semana; A Ilha já estava movimentada, secretário de justiça, diretores de unidade, militante, era o primeiro governo Brizola, as autoridades chegaram de helicóptero, não sacolejaram a bunda nos buracos da estrada, talvez se assim o fizesse aquela estrada seria bem melhor.
Chegamos ao presídio e a música já estava rolando; o portão abriu e apareceu um pátio, cachorros deitados e presos parados nos degraus da entrada; ao subirmos demos num hall; salas em ambos os lados, na direita um corredor comprido na esquerda uma escada; no segundo andar funcionava o gabinete do diretor, logo abaixo a sala do chefe de segurança, no lado oposto; a jurídica. Tomamos o rumo do corredor, a unidade estava cheia de familiares e convidados, muitas crianças, jovens, todos falando, rindo, se locomovendo; uma festa; a música ia aumentando e logo chegamos no auditório.
Lotado; essa era a palavra; gente entrando e saindo e um grupo se apresentado no palco, crianças passando, as autoridades, ficavam em um espécie de camarote; local estratégico para observação.


Namastê



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