sexta-feira, 28 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto LGHPHOTO)













28/03/08
Olá Companheiros!
Estou de volta e contente por conversar com vocês. Não me arrependo da felicidade que sinto, nem de acordar todos os dias e agradecer por estar viva e por ter quem amar.
Boa Leitura!

Capítulo XII

No dvd passa Electra, só escuto; enquanto ele dorme; minha filha vê o filme. Continuo digitando pedaços de mim...
Ele é um presente de Deus, e eu percebo o amor divino, através do sentimento incondicional que ele me oferece, na tolerância com o minhas falhas, com a alegria infantil na convivência, na grandeza da mudança interior que se proporcionou ao encarar nas novas escolhas com coragem; um ser sem medo de amar!

Meu pai morreu de câncer, quando eu tinha dezoito anos. Foi uma morte lenta e doída; com metástase nos ossos. Era um sentimento de impotência de inutilidade que acordava comigo toda manhã, nada eu podia fazer, só orar e torcer para que ele sentisse menos dor. Meus primos; filhos de tia Alaíde, sua irmã; eram médicos; ele teve um acompanhamento competente, meu primo Décio, que também era meu padrinho; possuía uma clínica e no princípio ele ficou lá, depois de algum tempo foi para casa com toda aquela parafernália médica; cama de hospital, oxigênio, aparelho de pressão, enfim tudo que era necessário. Nessa época ele começou a tomar morfina por causa da dor nos ossos e que era enviada pelo tio Evandro e avião do Rio para Salvador; comecei a perceber a fragilidade da vida e a me dar conta que poderia ficar órfã de pai.
Minha mãe com quem até aquele momento era difícil de interagir, também caiu doente; teve um enfarto no quarto ao lado; recebi a notícia quando voltei do colégio: - Sua mãe enfartou, mas já foi medicada, está na tia Ana e precisa descansar!
Fiquei congelada!! A perspectiva da perda dos dois me paralisou. Minha mãe passou quinze dias fora, enquanto eu revezava com a enfermeira; aprendi a dar injeção, a dar banho, a cuidar dele; coisas que minha mãe fazia. Eu ficava com ele durante à tarde, mas agora tinha que ser de noite também; tinha dias que não tinha enfermeira para pernoitar.
Com a volta de minha mãe, passei a ajudá-la a cuidar dele, comecei a desenvolver por ela um carinho que antes não sentia. Ao vê-la com 1:57 de altura, carregar e dar banho em um homem de quase dois metros me fez começar a amá-la; foi digna, forte; incansável até o fim.
Mulher Porreta!!
Mas mesmo assim não conseguimos criar um canal de comunicação que nos permitissem viver juntas; ela tinha ciúme do amor do meu pai; achava que eu competia com ela. As más línguas diziam que eu era filha de meu pai com uma amante e por isso, me engolir era algo difícil. Essa história nunca conseguir saber direito e agora já não tem mais importância; sei quem eu sou e isso me basta! Não que ela não tenha tentado me amar, mas não havia sintonia, não conseguíamos nos aproximar.
Quando começamos a mexer no baú da nossa história percebemos lembranças há muito esquecidas...
Sempre houve controle lá em casa; ‘mamy’ nunca deixou as coisas serem fáceis; tivemos incontáveis atritos dos quais meu pai era o mediador; nunca foi por estudo; sempre por rua ou namoro:
- Você é a pessoa mais “rueira” do mundo!!
- Simone? Morreu, o enterro sai amanhã! Berrava ela do corredor para o portão onde; minhas amigas com o maior “cagáço”; iam me chamar.
Me lembro de Isis, Olga, Olgaíde; eram meninas legais; acho que todas casaram. Aprendemos a fumar juntas; eu pegava escondido uns hollywoods do meu pai, e fumávamos escondidas na varanda da casa das meninas; enquanto fumávamos uma sempre ficava vigiando.
Olga e Olgaíde eram irmães, moravam na minha rua, mais pro final, no passeio oposto; era uma família grande, elas eram órfãs e moravam com os tios e primos; o mais velho cantava em um conjunto e ensaiavam na sala da frente que tinham dois janelões voltados para rua e que dava para uma varanda de muro baixo. Ali era a nossa arquibancada. Eram mais velhos; alguns bonitos, mas que não nos davam a menor bola; já eram profissionais e tocavam na noite; foram tempos muito legais... Olga era loura, magrinha, tímida meio sem graça, Olgaíde tinha os cabelos castanhos era mais morena e mais atrevida; as duas se toleravam, mas eram; adolescente; conviviam e acabavam se protegendo, eram caseiras e ajudavam em casa.
Lembro-me do “Clube Itapagipe”, há alguns metros do colégio; na praia de bogari; éramos sócios; banho de piscina, baile de carnaval, matinê na boate do clube; as meninas não eram sócias; só a Gracinha; que apesar de ser chata, era divertida, meio sem noção; não namorava negro; pobre então nem em sonhos... E os pais adotivos eram tão bons...
Sabiam que eu não morria de amores por ela, mas fingia não perceber; às vezes sentia pena, mas acho que no fundo gostava dela, não é a toa que convivemos toda adolescência. Também tinha os clubes de regatas; as provas de remo que eram feitas no outro lado da península; perto da casa do tio Adhemar, a raia era em frente e balaustrada ficava lotada; gente de toda cidade, muitos carros, imprensa, etc...
Havia o Clube de Regatas Santa Cruz, que tinha a sede próxima à casa da Gracinha que como tio Adhemar, morava na Av. Mém de Sá; lá rolava festas à noite e foi onde tive o meu primeiro contato com o álcool; nas caixas de som Hawai 50, Jakson’s Five, Secos e Molhados. Uma vez apostaram quem viraria uma garrafa de cachaça em um só gole; prêmio; um beijo do Iran, um carinha louro, com o cabelo cortado como o He-man e com muitas espinhas; hoje ridículo, ontem lindo!
Bebi tudo, não consegui levantar da cadeira, passei muito mal e só pude ganhar o beijo no dia seguinte; sóbria e muito sem graça ao som de - Beija, beija, beija!
Ele foi minha primeira paixão; dramática, sofrida; bem ‘EMO’. Terminávamos e voltávamos sempre; e era um chororô danado; não sei como pude agüentar-me durante esse período, eram juras de amor e brigas; no final quando ele começou a ficar mais bonitinho, com menos espinhas; descurti! Adolescente é foda!!
Agora percebo o quanto tenho sido feliz e quanto tenho sido abençoada por ter lembranças alegres para compartilhar!
Como das nossas vizinhas do lado direito; a da esquerda era a Escola 2 de Julho, a casa da Professora Yêda; mas do outro morava três mulheres de gerações diferentes; uma idosa forte, muito branca e rosada ao mesmo tempo e sua filha, quarentona, alta, muito morena de praia, tinha cabelos compridos cortados a lá Rita Hayworth, era funcionária pública; descendentes de espanhóis; com elas, morava uma moça de uns vinte e poucos anos, negra, muito bonita, doce e meiga, fazia faculdade; era minha professora de reforço escolar e dava aula particular para outros alunos, uma família alegre que se davam bem.
Lembro-me, uma vez durante uma aula sobre combustão, ela pegou um pequeno frasco, colocou álcool e riscou o fósforo o fogo acendeu e a chama começou a bailar colorida linda, na altura do campeonato já não estava ouvindo nada, só ficava vendo o dançar da chama; quando ela foi ficando invisível resolvi avivá-la; peguei a garrafa e fui pôr mais álcool; qual não foi minha surpresa; a garrafa plástica pegou fogo em minha mão; estudávamos no quarto de minha mãe, era tranqüilo espaçoso; varei a garrafa longe; ela bateu na cama e encheu a colcha de fogo e o resto e esparramou pelo chão chegando até a cortina do quanto; foi uma louca em fração de minutos: – Fogo! Fogo!! - Água! Tragam água!! Gritava Célia! Eu só pensava: - Minha mãe vai me matar!!
A casa era térrea, possuía uma varanda antes da porta da rua, depois um corredor cumprido onde tinham dois quartos, o primeiro, o da minha mãe; lindo bem cuidado, com uma penteadeira cheia de perfumes, possuía móveis modernos e claros, e tinha duas janelas que dava para rua, depois vinha o do meu pai que era interligado com o dela, possuía móveis mais antigos e escuros, de madeira trabalhada e o meu dava para sala que possuía sofás, poltronas, uma ‘cadeira do papai’ e uma cadeira de balanço. Meu quarto era normal, duas camas; sempre havia uma prima por lá; um guarda roupa, som, muitos desenhos pela parede, e livros, depois a sala de jantar com mesa grande, cadeiras, cômoda, cristaleira todos de madeira trabalhada, depois vinha à copa a cozinha e um quintal com mais dois quartos no fundo e dois banheiros.
Minha mãe gostava muito da Célia e acabou não brigando muito comigo, o fogo chamuscou a cortina e lambeu um pouco as franjas da colcha, no mais tudo igual. Naquela época comecei a ouvir uma história sobre elas, contada aos cochichos, que eram lésbicas, fiquei sem entender, eram amigas natural que morassem juntas, com o tempo isso virou meio lenda urbana, uns sabiam, outros tinham certeza, outros duvidavam, mas tudo discretamente, a vizinhança malhava a vida alheia com classe.
E a vida seguiu na duvidosa certeza quanto à sexualidade das nossas vizinhas, mas o que se sabe realmente é que eram muito queridas e, com o tempo; “tanto faz como tanto fez”, passou a ser normal. E das cadeiras de lona colorida, colocadas nas portas das casas no final do dia, esperando o sol se pôr; a fofoca da vizinhança rolava solta, atualizando as mazelas e as benesses do dia.


Namastê!

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