quarta-feira, 26 de março de 2008

FORAGIDOS


(Foto La tartine Gourmande)
26/03/08
Olá! Espero que nesta manhã exalem das flores, fragrâncias que tornem esse dia, absolutamente harmônico!Enquanto aqui, continuo tentando dizer o que vai num coração confuso, mas amoroso, em uma cabeça acelerada, em um corpo atado.Continuo acreditando que o amor que sentimos tem justificado toda a nossa caminhada, e é esse carinho, respeito, e união que deixaremos como herança para nossos filhos.
Boa Leitura!
Fiz sopa, é saudável e todos gostam, é interessante como demonstramos amor em pequenos gestos, como o carinho oferecido é importante para a formação da teia familiar. Como é bom compartilhar afeto através de um olhar terno, de um abraço sem motivo aparente, de um beijo surpresa, como é confortador a sensação de que somos amados e que esse sentimento tem o poder de aplainar todas as diferenças.
Capítulo XIX
Saí do primário e fui estudar no Colégio Nossa Senhora da Auxiliadora; de freiras, rígido, só moças; havia missa todos os dias, confissão toda manhã: – Confissão os “cambaus”! Nunca me senti a vontade falando com alguém que não conhecia, não era uma escolha, um porto de aconselhamento, parecia mais uma obrigação ritualística, nem sei se o padre realmente ouvia aquela montoeira de mentiras que as meninas contavam; claro que não eram todas; sempre havia as carolas, loucas para serem absolvidas, às vezes pelo pecado mortal de dizer: -Merda.Nunca me adaptei; nesse ano fiz amizade com Gracinha; Maria das Graças; ela era filha adotiva de um casal espanhol; farmacêuticos eram donos de farmácias no bairro, tinham posses; ela era negra e odiava ser negra; os pais naturais trabalhavam na feira e ela tinha mais cinco irmãos e isso a deixava muito incomodada; os pais adotivos sempre fizeram questão da aproximação dela com os parentes, mas aquela “benção” nunca quis. Os tratava com desprezos por serem pobres e negros; quando iam, a casa dela, se escondia no quarto de princesa e de lá não saía, chorando a cântaros a tragédia de ter nascido negra e ter pais tão ignorantes. Era uma moça sem amigos, fútil, mas inteligente.
Nossos pais eram amigos e por isso tinha que aturá-la; diziam que era solitária; nervosa, frágil: - Simone; Gracinha é sozinha, tem dificuldades, seja tolerante!Dificuldades que nada; ela foi o meu primeiro contato com o racismo e o preconceito, convivemos até eu vir para o Rio, sempre chata e se fingindo de frágil; uma vez fiz o cabelo dela cair todinho; era vaidosa e adorava alisar os cabelos e podia ter os produtos que quisesse, era só acionar o entregador, “as farmácias eram do papai”; assim um dia; depois de mais uma visita constrangedora do pai natural, falei: - Gracinha, não fique triste; vamos fazer alguma coisa, mudar o ânimo; Ela: - Vou alisar o cabelo, deixar ele sedoso, odeio esse cabelo duro.- É quem sabe você não se distrai? Disse eu; Então ela pulou rapidinho da cama de “barbie”; o quarto dela era lindo, de revista; passou a mão no telefone: - Pai! Manda o boy trazer...“Não” li a fórmula do produto com a atenção devida, uma pena, e o cabelo dela caiu! Que chato, né! Não todo, mas deixou crateras quase lunares!Fiquei preocupada, mas no fundo ela merecia uma lição; para todo o caso: – Desculpe querida! Que loucura! Esse produto é um lixo!Fiz o meu primeiro ato ruim; intencional; deixei a mona pelada! Ela era o ‘ó’!- Simone, você tem alguma coisa com isso?- Mas claro que não, foi um acidente mãe!E ela levou “meeeses” usando lenço.No colégio de freira a adaptação foi complicada, saia abaixo do joelho, que num passe de mágica ficava no meio da coxa, batom, não podia, rir, não podia, correr não podia; meninos? Ui, nem pensar! De forma que no ano seguinte minha mãe pelo meu não sacrifício em aturar aquele sistema, matriculou-me no Ginásio Municipal Paulo Américo de Oliveira: - Vai estudar numa escola pública pra ver como é bom!Foi uma festa; podia tudo!
No princípio Adelita me levava; tive babá até os onze anos, ela era uma mãe para mim, tínhamos uma casa grande e que precisava de gente para dar conta; lá moravam, a cozinheira, a arrumadeira e Adelita, que veio ser minha babá quando eu ainda tinha uns dois anos; sempre tínhamos três funcionárias e durante o verão, quando a casa enchia de parentes, às vezes vinha uma moça que morava lá na rua dar uma mãozinha.Cresci com ela nos meus calcanhares; ela me vigiava e minha mãe enchia o saco dela: – Vamos fale, o que ela faz na rua? Coitada tinha que fazer relatório, mas ela era maravilhosa e me livrou de muitas enrrascadas; eu estava crescendo e pedi ao meu pai para ir ao colégio como todo mundo; aos doze pude sair sozinha sem babá, mas tenho certeza que de longe me vigiava.Ela cuidou de mim desde criança, até os quinze anos quando se casou com um pescador de Saubára; cidade litorânea. Minha mãe ajudou no casamento e a festa foi lá em casa! Senti muito, era quem realmente cuidava de mim, Mãe Dé, mas ela estava feliz e de três em três meses eles chegavam lá em casa com sacolas de palha, cheia de camarão e peixe seco; ela é uma figura presente nos meus sentimentos mais sinceros e o amor daquela mulher ajudou a forjar em mim uma coragem silenciosa.
No Paulo Américo era um novo mundo; colégio misto, muita alegria, lá quebrei o braço pela terceira vez. Depois que passei para o colegial, fui estudar no Colégio Estadual João Florêncio Gomes; ficava no início da minha rua de frente para praia, na avenida Beira Mar, era um privilégio estudar vendo o oceano; lá fiz Patologia Clínica e tocava na banda do Colégio; comecei com a caixa e depois fui para o tarol; que fazia o repique; as vaquetas me deixavam com os dedos detonados e haja esparadrapo!lá íamos nós subindo e descendo ladeira de bairros vizinhos; saia azul plissada, camisas abotoadas na frente impecavelmente branca, com o escudo do colégio pregado no bolso, sapato de amarrar engraxado, e meiões brancos até o joelho, luvas imaculadamente brancas e boina vinho; num calor filho da puta de Salvador, mas não é que a gente adorava!!!!
Foi uma adolescência divertida; alegre, saudável, foram anos de muita praia, amigas, música, e muito estudo, foram tempos de felicidade aditivada.
Namastê!

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