terça-feira, 1 de abril de 2008

FORAGIDOS



01/04/08
Bom dia amigos; hoje acordei com Chorão cantando... além do bem-te-vi, é claro!


”Buscando um novo rumo que faça sentido nesse mundo louco com o coração partido/ Tomo cuidado para que os desequilibrados não abalem minha fé pra eu enfrentar com otimismo essa loucura /Os homens podem falar mais os anjos podem voar/ Quem é de verdade sabe quem é de mentira. Não menospreze o dever que a consciência te impõe não deixe pra depois valorize a vida /Resgate suas forças e se sinta bem, rompendo a sombra da própria loucura. Cuide de quem corre do seu lado e de quem te quer bem Essa é a coisa mais pura”...
Charlie Brown Jr.
Boa Leitura!



Capítulo XVI

O dia amanheceu opaco, esmaecido; as coisas parecem mais lentas, as ações rápidas demandam um esforço maior; um dia preguiçoso! Eu sigo digitando ainda meio confusa com o monte de memórias que me tomam de assalto e buscando entender como montar o quebra cabeça da minha vida.
Vejo que tenho muitas boas lembranças que serviram de alicerce para os anos difíceis, minha alma tem um compromisso com a felicidade e apesar de tudo sempre tive sorte; agora percebo.
A liberdade é o sonho que persigo há anos; andar sem olhar para trás; sentar de costa pra rua, descer do táxi na porta de casa, conversar com tranqüilidade com quem não conheço; relaxar sem antes avaliar o ambiente; coisas que para muito são banais; sem importância; para mim elas sinalizam a possibilidade de sorrir, de distencioar, de desarmar o espírito.
Há vinte e quatro anos que não me sinto livre!
Não por estar casada; gosto de estar com ele; o amo; temos uma sintonia fina sub-reptícia, nos conhecemos; mas as pressões externas sempre nos desviaram da tranqüilidade “...que contradição, só a guerra faz, nosso amor em paz...” A prisão nunca nos permitiu amar por inteiro e; mesmo foragidos; ela se interpõe como uma sombra agourenta sobre nós.
É impossível amar alguém que está preso, e se sentir livre; não há como não vivenciar conjuntamente a dor da distância, a impotência ante á vida. A pena e extensiva a família e todos pagam conjuntamente; não tem como escapar; mesmo aqueles que não amam, mas por motivos próprios acompanham presos; sofrem; ou por si, ou pelo outro, ou pelos dois; depende do grau de sentimento de cada um.
Levei anos vivendo aos pedaços, em doses homeopáticas; tentando me equilibrar na corda bamba; administrando meus medos, e não criando expectativas sobre o futuro. Hoje olhos meus filhos e sinto que valeu; eles estão preparados para viver em qualquer parte do mundo, sabem quem são e quem somos e sentem orgulho do que temos tentado construir; não houve guetos, não os busquei; quando a sombra da opressão pairou, não permitimos que violasse o carinho que tínhamos; eles sempre foram sagrados, respostas divina ao amor que sentimos. Foram apresentados ao cinema, ao teatro, aos museus, ao circo, os shows; tudo que agregasse valor cultural; tudo que revertesse em herança benéfica daquele tempo de família partida.
Nunca poupei; quando solteira não precisava, quando casada não tinha o quê, mas tudo que tive serviu para formação deles; para que se percebessem além de mim ou do pai, para que se enxergassem possíveis, independentes, para que pudessem ocupar o seu lugar no mundo, sem medos.
Sempre foram meus companheiros, amigos; pais; além de filhos; enxugaram minhas lágrimas, me deram conselhos, protegeram minha sanidade, nunca houve assuntos ocultos falamos de tudo; educação, sexo, racismo, preconceito, opção sexual, homofobia, maconha, álcool, cocaína, boca de fumo, prisão, pedofilia, direitos, deveres, morte, violência, respeito, democracia; e todos outros assuntos que queiram discutir. Nada é proibido, tenho que estar aberta; ouvi-los são jovens; tento entender seus pontos de vista; tudo é passível de ser conversado; que dirá hoje com a Internet, que os leva a todos os lugares, assuntos, imagens, pessoas; se não houver um canal de amizade; já era, os perdemos para o mundo sem ter a chance de dizermos como foi conosco e que é normal se ter medo ao mesmo tempo se sentir invencível, ter namorados, usar camisinha, beijar muito; faz parte da adolescência da juventude, não posso esquecer que tive a idade deles e que teria adorado se minha mãe conversar-se comigo, talvez hoje seríamos grandes amigas. Os meus são parceiros de fé, que conquistei com amizade, respeito e muito papo! E quando nada disso não funcionava; aí só tinha uma saída; incorporar dona Angélica: - Cala a boca todo mundo, quem sabe sou eu e acabou fim de papo! Sempre fui respeitada.
Sei que voltarei a falar dos meus filhos mais lá na frente, não tenho uma lógica para escrever, nem método; as palavras vão saindo e tento capturá-las antes que fujam de mim. Não sei se é assim com tudo mundo. Comecei a escrever ha um ano, era divertido; primeira página, segunda; cheguei à décima; empaquei, travei, congelei, as idéias se rebelaram e pararam de sair da minha cabeça, era como se eu estivesse vazia, oca. Dizem que os escritores fazem obras primas, quando estão depressivos, tristonhos; não sou escritora e talvez nunca seja; tenho facilidade de escrever; às vezes, mas não regularmente; sou terrivelmente influenciada pelo meu exterior.
Experimente escrever numa casa de dois cômodos com cinco pessoas, televisão ligada, uns lendo, outros dormindo, um calor insidioso; desconcertante. De vez em quando alguém te chama para coisa nenhuma e lá se vai a construção da frase pra casa do cacete; novo esforço para retomar o ritmo, brigar com o teclado para que ele seja mais rápido e possa capturar um número maior de letras. Não é um exercício fácil; é necessário abstrai-se de tudo em volta, tentar ouvir as vozes que ainda baixinho ecoam em você; sem contar, o peso psicológico de estar foragidos, da falta de dinheiro, da saúde meio gangorra, da menopausa, da dor da coluna... Dando essa desculpa levei um ano para tentar de novo.


Namastê!

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